João Pessoa, 07 de junho de 2018 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Um dos problemas de saúde mais conhecidos e receados atualmente é o câncer, doença em que as células anômalas se dividem de forma indômita e destroem o tecido do corpo. As causas podem ser externas ou internas ao organismo e ambas estão inter-relacionadas, podendo interagir, aumentando a probabilidade de transformações nas células. Isso explica o motivo pelo qual pesquisadores de todo o mundo se debruçam sobre o estudo das diversas formas de tratamento para fins curativos ou controle de sintomas da doença.
Diante disso, a pesquisadora Tatiana Rocha de Souza, professora do curso de Licenciatura em Matemática do Centro de Ciências Exatas e Sociais Aplicadas (CCEA), Câmpus VII da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Patos, amante da ciência do raciocínio lógico e abstrato, preocupada em mostrar a importância da medicina integrativa ao tratamento contra o câncer, defendeu, no dia 18 de maio, sua tese de Doutorado em Matemática Aplicada, intitulada “Dinâmica tumoral e a noética”. O trabalho é resultado do doutoramento da docente pelo Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A tese, em resumo, trata de modelagens e simulações do comportamento tumoral considerando, além das intervenções padrões (como a quimioterápica), as intervenções integrativas. “Hoje, tem crescido consideravelmente os estudos que comprovam que, associados aos tratamentos padrões, os tratamentos integrativos vêm ajudando no que diz respeito à qualidade de vida e resultados clínicos dos pacientes oncológicos. No Brasil, ainda existem muitas resistências para agregar este tipo de tratamento ao tradicional. Tentamos mostrar, matematicamente, através de simulações, como seria a interferência destes tratamentos complementares na dinâmica do tumor”, destaca a professora.
Tatiana Rocha explica que o modelo utilizado para descrever a dinâmica do tumor foi o de Gompertz, com acréscimos de termos e equações para simular a presença de células resistentes. A interferência noética foi descrita pelo efeito Allee. Posteriormente, foram usados alguns funcionais para simular o controle ótimo do tratamento.
Paciente oncológica desde 2011, Tatiana contou que a motivação para trabalhar na Matemática aplicada ao câncer veio após a descoberta da doença. “Eu quis aprofundar os estudos sobre o câncer, não apenas para entender o que estava passando, mas para tentar ajudar outros pacientes que estivessem enfrentando o mesmo problema. A integração da noética surgiu no decorrer da pesquisa, quando, durante o tratamento, fui apresentada à medicina integrativa. Vendo os benefícios em mim mesma, decidi tentar retratar isto nos meus modelos”, acrescentou.
Tatiana descobriu o câncer colorretal quando já se encontrava com metástase hepática. Submeteu-se a cirurgia para retirada de aproximadamente 50 centímetros do intestino, parte do fígado e vesícula, além de 12 sessões de quimioterapia, encerrando o tratamento em 2012. Em 2014, apenas um mês após ter chegado em Campinas para iniciar o Doutorado, a pesquisadora descobriu a reincidência da doença com uma metástase pulmonar. Dois tumores foram retirados e mais 12 sessões de quimioterapia realizadas. Em 2015, ela pôde novamente encerrar o tratamento.
No ano seguinte, uma nova metástase pulmonar foi identificada, com oito tumores espalhados nos dois pulmões. “Foram mais 11 sessões quimioterápicas com a administração de uma droga que ocasionou reações alérgicas. Modificamos a droga e após mais 31 aplicações quimioterápicas descobrimos que eu tinha criado resistência e, com isso, meus tumores tinham aumentado e novos tumores surgido. Hoje são tantos nódulos que os médicos apenas descrevem como múltiplos nódulos nos dois pulmões. Com isso, mudamos mais uma vez de quimioterapia, fazendo, até a defesa da tese, mais três quimioterapias com este novo fármaco, tendo feito, apenas durante o Doutorado, 57 quimioterapias, além das cirurgias”, relata Tatiana.
Primeiro contato com o câncer
A professora discorreu ainda sobre o enfrentamento clínico e emocional, desde a identificação da doença, e relembrou do momento em que recebeu o diagnóstico do câncer. “Meu maior choque ocorreu quando fiz a colonoscopia. Com as pesquisas sobre os termos técnicos presentes no laudo eu me deparei com o nome ‘câncer’ pela primeira vez. Desta forma, quando recebi de fato o diagnóstico eu já estava preparada”, conta.
Em seu relato, Tatiana disse que durante o primeiro tratamento, entre 2011 e 2012, precisou se afastar das atividades acadêmicas, viveu 24 horas a doença, teve todas as reações clínicas esperadas (enjoos, vômitos, dores), mas nunca imaginou que fosse morrer, tendo sempre fé e apoio para seguir. A professora ressalta ainda que, com a decisão de estudar sobre o assunto, quando veio o segundo tratamento, entre 2014 e 2015, já pôde sentir uma melhora significativa.
“Acho que o ditado ‘mente vazia, oficina do diabo’ poderia descrever bem o que vivenciei ao comparar os dois tratamentos. Costumava dizer que, quando não estava fazendo quimioterapia, tinha tanta coisa para fazer na Universidade, tanta matéria para recuperar (do período que me afastava para tratamento), que não tinha tempo para lembrar que estava doente”, recorda.
Tatiana conta que durante a última fase do tratamento, iniciado em 2016 e realizado até os dias atuais, já consegue ver nitidamente a eficiência da medicina integrativa, uma vez que faz uso da mesma medicação dos outros tratamentos e que não só não sente os efeitos, como deixou de tomar as medicações para eles enquanto estava de repouso, após a quimioterapia. “Hoje, apesar das inúmeras quimioterapias, tenho uma vida ativa praticamente normal, com viagens, passeios, estudos, frequento ambientes fechados como restaurantes, teatro, entre outros. Então, hoje, acho que estou na minha melhor fase mental desde que descobri o câncer”, enfatiza.
Tratamento e pesquisa caminhando juntos
De acordo com a pesquisadora, o método e o caminho seguidos para realizar a pesquisa acabaram nascendo junto com o seu tratamento. “Iniciamos com a ideia de estudar a dinâmica do tumor e inserir nas incertezas dos parâmetros a teoria Fuzzy, mas os caminhos da pesquisa foram se moldando com os meus próprios resultados”, relata.
Questionada sobre os parâmetros para análise da progressão e redução na evolução celular tumoral, Tatiana ressalta que foram levados em consideração, principalmente, a taxa de crescimento do tumor, sua quantidade celular inicial ao ser descoberto, a capacidade de suporte, quantidade de células resistentes e sua taxa de crescimento, o limiar noético (que desenvolveu para medir a interferência do corpo à dinâmica do tumor) e a taxa de matança da aplicação quimioterápica. Todos os resultados foram obtidos através de simulações numéricas, com parâmetros reais e simulados diante da teoria desenvolvida.
Tatiana destaca os benefícios da pesquisa e a importância dos resultados para os pacientes oncológicos. “A ciência noética vem comprovando o poder da mente sobre o próprio corpo. Estudos vêm mostrando que somos capazes de potencializar a atuação das células do sistema imune no combate às células cancerígenas. Também já foi provado que, em alguns casos, as células tumorais conseguem se camuflar, fazendo com que as células combatentes não as reconheçam como invasoras. A noética prega a teoria de que somos capazes de modificar este quadro, ensinando nossas próprias células a atacar as invasoras. A medicina integrativa atua principalmente no fortalecimento do sistema imune do paciente oncológico. Acho que a maior contribuição da minha pesquisa é a disseminação da medicina oncológica integrativa que já vem mostrando excelentes resultados pelo mundo e ainda é pouco utilizada no Brasil”, observa a pesquisadora.
Sobre as conclusões a que chegou, a docente afirma que o resultado mais relevante é de que a medicina integrativa contribui para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e atua diretamente no sistema imune, podendo potencializá-lo, o que é de extrema importância, principalmente no pós-tratamento, para que o paciente possa continuar o decrescimento tumoral, não mais visível ao olho humano, até zerá-lo, obtendo a cura. “Com esses resultados, mostramos que apenas um tratamento quimioterápico não é suficiente para a obtenção da cura, que é preciso a colaboração do corpo e do sistema imune e quanto melhor estiver o sistema imune, melhores resultados teremos”, avalia Tatiana.
A pesquisadora frisa, ainda, sobre a escolha do Doutor Rodney Carlos Bassanezi como seu orientador e ressalta a importância do apoio recebido durante a pesquisa. “Rodney é, além de um excelente profissional, uma pessoa fantástica. Diria que não teria feito melhor escolha para orientador. Ele abraçou meu desejo de trabalhar com modelagem de tratamentos oncológicos, me apresentou profissionais que, além de ajudar na teoria aplicada na pesquisa, ajudou no meu próprio tratamento. Nunca me beneficiou, mas sempre foi humano quanto as minhas limitações durante o doutorado, no que diz respeito ao tratamento quimioterápico que fiz paralelamente”.
Tatiana também fala sobre o apoio recebido da família e dos amigos para realizar o tratamento e se dedicar à pesquisa. “Minha família foi fundamental em tudo, desde a força para não ter medo de seguir, como o apoio para realizar meus sonhos e desejos. Minha mãe abandonou a vida e veio morar comigo para que eu não precisasse abandonar o Doutorado, meu pai deu todo o suporte para minhas irmãs que ficaram com ele na Bahia. Mas, além da família, também preciso ratificar a importância dos meus colegas de curso, pois eles muitas vezes pararam para me atualizar da matéria e sempre se fizeram presente com suporte e amizade”.
A dor do outro
Recentemente, Thais Souza, irmã de Tatiana, também foi diagnóstica com câncer. Sobre o problema da irmã Tatiana diz que foi mais difícil receber o diagnóstico do câncer da irmã do que o seu próprio. “Descobri que é mais dolorido quando acontece com quem amamos do que com nós mesmos. Mas a força e o equilíbrio de minha família sempre fizeram com que a doença se apresentasse mais amena do que como costumamos imaginar”, conta. Juntas, as irmãs criaram uma conta em rede social para compartilhar a luta contra o câncer.
Com a baianidade de uma potiguar, nascida no Rio Grande do Norte e criada no reduto baiano, lugar aprazível que lhe expurgou a resistência e lhe fortaleceu a obstinação, Tatiana diz que pretende dar continuidade à pesquisa nesta área, intensificar as terapias integrativas ao seu próprio tratamento, visando melhores resultados, e realizar o seu maior sonho atual, que é ajudar outros pacientes oncológicos com palestras, depoimentos e esclarecimentos sobre a noética e a medicina integrativa, além de escrever um livro onde pretende contar a sua luta contra o câncer e todas as descobertas que obteve durante o Doutorado. Ninguém duvida que ela vai conseguir realizar tudo isso.
MaisPB
TURISMO - 19/12/2024