João Pessoa, 26 de fevereiro de 2016 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O título do último disco de Elza Soares, 78 anos, se chama “A mulher do fim do mundo”, lançado em 2015. Mas bem que podia se chamar “A mulher do começo do mundo”. Afinal, a filha de um operário com uma lavadeira – que arrancou elogios de Louis Armstrong e já foi classificada como a cantora do milênio pela BBC de Londres – está sempre se reinventando, começando. Elza se reinventa para não deixar o tom de voz rascante cair no esquecimento, para que sua vida pessoal marcada por alguns dramas pessoais – como a morte de alguns dos seus seis filhos e seu romance com Garrincha – não ofusque seu talento e, ao mesmo tempo, para não deixar de ser ela mesma.
E é assim, se reinventando com 60 anos de carreira, que no dia 18 de março ela leva o premiado show “A mulher do fim do mundo” para o badalado palco do Circo Voador, no Rio de Janeiro, e que terá participação de Caetano Veloso.
“Estava na janela gritando: ‘Estou aqui! Eu ainda canto! E canto muito (risos)’. Mas ninguém me escutava. Acho que o esquecimento foi a maior injustiça que fizeram comigo. As pessoas não estavam nem aí para mim. Eu sei do que sou capaz, mas estava esquecida”, diz ela sem rancor.
Na entrevista, na casa da cantora em Copacabana, na Zona Sul carioca, Elza falou orgulhosa por estar de volta aos palcos, mostrou sua vertente feminista e também discorreu sobre algumas marcas que sempre a acompanharam: a fama de namoradeira, a vaidade e até a possibilidade de virar enredo em 2017 na Mocidade Independente de Padre Miguel. “Se acontecer, vai fazer um bem enorme para o meu coração”, diz.
São 60 anos de carreira, está com um show novo e lotado de um público jovem e fazendo um grande sucesso. Como é se reinventar a essa altura da vida?
Você sabe que tenho uma fênix tatuada na perna, né? Para ficar mais perto de mim. Estou mesmo sempre me reinventando, buscando algo novo, algo que me satisfaça, sou assim meio Nina Simone, uma negra forte, maravilhosa. Gosto de buscar, não gosto do fácil. Quero que tenha mais valor e tenha brilho.
Quando terminou o disco “A mulher do fim do mundo” tinha ideia de que ele faria tamanho sucesso?
Não, o disco me tocou. Queria fazê-lo naquele momento. Mas não pensei que daria esse ibope todo (risos). Tanto que a gente fez uma foto, mas por mim só escreveria o meu nome na capa. A foto é maravilhosa. Daí em diante, a coisa foi só crescendo: fomos ganhando prêmios, vamos fazer turnê pelo Brasil.
Ao longo da sua carreira, você já se sentiu injustiçada enquanto artista?
Muitas vezes. As pessoas esquecem as coisas. Há quantos anos eu não gravava? E não gravava porque não tinha oportunidade. Ia gravar com quem? Onde? Como? Estava o tempo todo na janela gritando: “Estou aqui! Eu ainda canto! E canto muito (risos)”. Mas ninguém me escutava. Acho que a maior injustiça que fizeram comigo foi o esquecimento. As pessoas não estavam nem aí para mim. Eu sei do que sou capaz, mas estava esquecida.
Uma das marcas da sua biografia é que você é uma figura feminina muito forte. Como enxerga o mundo para as mulheres de hoje. Está mais fácil ou mais difícil ser mulher?
Acho que ainda tem muitas dificuldades, mas está mais fácil. Pelo menos hoje em dia nos deixam gritar, brigar. A mulher está mais forte, pode pedir socorro. Na minha época não tinha nem onde pedir socorro. Tinha que aguentar calada. Mas ainda temos que ser muito valorizadas.
O que você gostaria que tivesse na sua época?
Queria ter o direito de gritar, de falar, como hoje falo. E acho que me ouvem. Mesmo dentro dos preconceitos que ainda existem contra a mulher. Na minha época só tinha o direito de apanhar calada.
Mas você nunca foi muito de ficar calada. Arrepende-se de ter falado muito em certos momentos da vida?
Nada! Acho que gritei pouco, falei pouco! Quero mais (risos).
Que mulher é Elza Soares hoje?
Uma mulher com toda vontade e desejos na vida. De buscar, de conseguir e estou aí maravilhosa.
Você sempre foi uma mulher muito sexual. Você ainda exercita esse lado?
Aquela Elza ainda está dentro de mim, viva. Está sempre aqui. Não consigo desligar essa mulher (risos).
Elza ainda namora?
Eu não quero saber de namoro mais não. Não sei se me aposentei completamente, mas por ora estou me amando, me namorando. Estou me achando tão bonita, tão gostosa (risos). Se soubesse que era tão boa, tinha casado comigo. Depois que operei a coluna, que fiquei mais comigo, fiquei mais tranquila. Acho que foram os pregos que me colocaram, que me sossegaram. Estou esperando ficar boa para ver se vai passar (risos).
Você também sempre foi muito vaidosa. O problema da coluna limitou sua vaidade?
Eu ainda malho. Faço a fisioterapia para coluna, pego alguns pesinhos nas pernas. Faço tudo. Mas agora faço por mim, não mais para os outros.
O que achou da possibilidade de ser enredo da Mocidade em 2017?
Sei que existe essa possibilidade. Adoraria que se confirmasse. Para mim é sempre um prazer estar na Mocidade. Sendo enredo ou não. É a minha escola querida do coração. Se vier, vai fazer um bem enorme para o meu coração. Trabalhei muito pela Mocidade.
Globo
OPINIÃO - 22/11/2024