Após cinco anos trabalhando como faxineira no Supremo Tribunal Federal, Marinalva Luiz achou que era uma brincadeira ver o próprio nome na lista de aprovados no concurso do órgão. A mulher passou semanas mergulhada nos livros e anotações para a prova de técnico judiciário. O resultado também surpreendeu colegas, que chegaram a insinuar que ela havia comprado o gabarito.
“Minha família e amigos já sabiam que eu ia passar, pois eu estudava sem parar e só falava em concurso e mais concurso”, disse. “Muita gente, infelizmente, não gostou da novidade. As pessoas ficaram em choque, não esperavam que uma moça que trabalhou na limpeza do tribunal tivesse conhecimento suficiente para passar, ainda mais que concorri com quem já tinha se formado em advocacia. O preconceito está enraizado na sociedade brasileira ainda.”
O concurso aconteceu em 2008. O salário previsto era de R$ 3 mil – 500% a mais do que os R$ 500 que ela recebia mensalmente. Marinalva foi a 29ª colocada e aguardou os quatro anos de validade do certame pela convocação. Mesmo com a seleção expirando antes, a mulher não desanimou e passou em outras três provas: Superior Tribunal de Justiça, Ministério do Trabalho (onde está atualmente) e Ministério Público da União.
Para ela, o fato de sempre ter apreciado literatura influenciou nas conquistas. “Eu sempre gostei de ler. Lia desde gibi a Karl Max. Na minha casa tinha mais livros e revista do que em qualquer casa do meu bairro. As pessoas não entendiam porque eu e minha irmã líamos tanto. Hoje vejo que isso foi fundamental e um diferencial na minha vida.”
A mulher também baixou conteúdos em sites e pedia ajuda de amigos da família que trabalhavam no Judiciário. Nascida em Anápolis, cidade goiana a 160 quilômetros de Brasília, ela decidiu atuar na área de limpeza porque o salário era melhor do que o que recebia trabalhando em uma loja para noivas e como costureira.
“Duvidavam da minha capacidade porque eu era auxiliar de serviços gerais e, como tal, deveria ter muito pouco estudo. Não aceito que me julguem sem me conhecer”, afirma. “O que me deixou impressionada foi pensarem que, por ter trabalhado na limpeza, era analfabeta ou coisa do gênero. Eu já tinha o ensino médio, trabalhava numa butique mas ganhava menos que na limpeza e trabalhava muito. No STF era muito melhor! Nunca me abati com isso, mas, realmente, inveja é uma coisa que te assusta.”
Marinalva diz que a família tinha pouco recursos, mas que nunca precisou parar de estudar. “Nós eramos pobres, mas tínhamos tudo o que precisávamos. Livros, roupas, brinquedos; meus pais se esforçavam e nos davam. Mas, como todo mundo, você sempre quer mais, e eu queria morar numa casa com piscina, muita árvores, pois lembra muito a minha infância.”
Segundo ela, a melhor vantagem do emprego no serviço público foi poder incluir a mãe como dependente no plano de saúde. “Ela foi muito bem tratada nos melhores hospitais do Plano Piloto e Taguatinga, especialmente no Santa Marta e São Francisco, onde infelizmente, ela veio a falecer, há dois anos.”
Marinalva conta que chegou a começar a estudar direito, mas decidiu trancar o curso por ver que não era exatamente o que queria. Ela voltou a costurar e diz sonhar em fazer moda nos próximos anos.
“Voltei a costurar por raiva”, ri. “Toda vez que pedia uma costureira para fazer umas roupas, ela demorava demais ou [as peças] não ficavam do jeito que eu queria. Como já tinha trancado a faculdade, já estava procurando uns cursos para fazer, dar uma boa revisada em ajustes e conhecer novos métodos de ensino. Daí vi que realmente costurar é uma coisa que adoro fazer, independentemente de ser uma profissão. Todo dia faço algo. Para meus amigos e parentes, faço consertos e reformas.”
G1