João Pessoa, 13 de setembro de 2016 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O ano é 1991. Um jovem vereador de 26 anos, eleito com singelos 1.403 votos pelo PFL, recorre a um amigo. Pede emprestado o equivalente a 71.900 reais. Não justifica o destino do dinheiro, mas almeja consolidar-se na Câmara Municipal de Cuiabá no ano seguinte – quiçá com uma campanha de rei.
O ano é 2016 e o jovem vereador é o atual deputado estadual Emanuel Pinheiro, do PMDB, candidato à prefeitura de Cuiabá e tecnicamente empatado na primeira colocação na última pesquisa Ibope de intenção de votos. Aos 51 anos, Pinheiro ainda não quitou a dívida que contraiu com o amigo no início da carreira e tenta, em meio à campanha para o Paço Municipal, se livrar do fantasma de uma insolvência civil, situação em que os bens se tornam indisponíveis para pagar o débito e ele é declarado falido. O credor ameaça pedir a falência do deputado a qualquer momento.
O episódio envolvendo o político seria apenas mais um entre os quase 59 milhões de inadimplentes no Brasil não fosse o fato de que, depois dos cheques, Emanuel Pinheiro, em uma nova etapa de negociações para o pagamento, entregou como quitação ao seu antigo financiador diversos pacotinhos com esmeraldas em estado bruto. Um dos lotes continha 600 pedras pequenas e foi avaliado em 22.000 reais. Outro, com pedras maiores, em 30.000 reais. Ao final, descobriu-se que todas eram falsas.
Depois de ter as gemas recusadas pelo Banco do Brasil, instituição financeira que liberou os 71.900 reais, o empresário alvo do calote contratou detetives para procurar uma das empresas que teria atestado a veracidade do tesouro, a Lewinston International Inc. Nem sinal da companhia. A exemplo das esmeraldas, a empresa também é falsa. Salim Kamel Abou Rahal, o empresário que socorreu Pinheiro no início dos anos 90, acabou pressionado a quitar o empréstimo que havia tomado junto ao BB para ajudar o amigo e vendeu às pressas um terreno de 274 hectares em Cuiabá. Pinheiro moveu um processo por danos morais contra Rahal por considerar ser “falsa a afirmação de que eu teria tentado pagar a dívida com pedras preciosas falsas”.
A situação de inadimplência do deputado tem caráter privado, mas ganha relevância eleitoral porque Pinheiro, se eleito prefeito, terá de lidar com orçamento de 2,2 bilhões de reais no município. Metade do montante previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias refere-se exatamente à folha de… pagamento.
Desde 2002 tramita na 4ª Vara Cível de Cuiabá uma ação de cobrança contra o deputado. Entre idas e vindas, acordos já foram tentados – como ocorre agora na negociação para evitar a insolvência civil. Em julho de 2003, o deputado recebeu a primeira condenação: pagar os 71.900 reais corrigidos desde 1995 e com juros. Em pelo menos duas ocasiões – a última em março deste ano, a justiça chegou ao ponto de decretar a penhora dos bens do parlamentar – incluindo 30% do próprio salário de 25.000 reais que ele recebe na Assembleia Legislativa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem jurisprudência contra o argumento levantado pelo deputado contra o bloqueio de seu salário e considera que a tese de impenhorabilidade de vencimentos “não pode ser utilizada como justificativa para o devedor se esquivar de quitar sua obrigação”. Hoje, a dívida de Pinheiro com o empresário Salim Rahal ultrapassa o patamar de 1 milhão de reais.
A odisseia pelo pagamento da dívida envolvendo as esmeraldas ganha novos capítulos dignos de dramalhão mexicano porque Emanuel já alegou no processo ter quitado a dívida por meio de repasses a um advogado, que teria a função de encaminhar os recursos a Rahal. Em 2012 ele afirmou que encontrou o termo de pagamento e quitação da dívida, mas ainda assim a Justiça não reconheceu o fim do débito. Um recibo anexado ao autos comprovaria a transação e livraria, por fim, Emanuel Pinheiro da cobrança. O financiador do político, que não reconhece a quitação da dívida, pretendia submeter o recibo a uma futura perícia em Campinas. Misteriosamente, o documento original sumiu do processo.
Não é a primeira vez que o salário do deputado é penhorado. Em setembro de 2015, a Justiça ordenou o bloqueio de 30% dos valores líquidos recebidos por Emanuel Pinheiro para pagar outra vítima de calote, a empresa de publicidade Trade Mark, que recorreu ao Judiciário depois de não ter sido paga por seus serviços. O valor: 1,16 milhão de reais. A companhia recebeu diversos cheques no valor de 350.000 reais para quitar a dívida. Ao final, eles não tinham fundos.
O empresário Salim Rahal e seus advogados não foram localizados. Em nota, o deputado Emanuel Pinheiro disse que “trata-se de uma disputa judicial no campo privado, entre mim e o empresário Salim Rahal”. “O caso está esclarecido na Justiça e, ainda hoje, pago pontualmente o que foi determinado judicialmente”. “O empresário Salim Rahal responde a um processo por danos morais, movido por mim, pela falsa afirmação de que eu teria tentado pagar a dívida com pedras preciosas falsas. Isso jamais ocorreu”, completou. “Sou um candidato ficha limpa, não respondo a nenhum processo por improbidade administrativa, não tenho nada na minha vida para me envergonhar. Quem nunca precisou recorrer a um empréstimo para sair de uma situação difícil? Não tenho vergonha de ter passado por dificuldades financeiras, milhões de brasileiros honrados passam por isso todos os dias”, disse o candidato.
Em relação à empresa Trade Mark, Pinheiro disse que “a disputa está em fase final de negociação”. “Contratada para fazer minha campanha no ano de 2.000, a agência foi dispensada após o terceiro programa eleitoral, dada à baixa qualidade do material produzido. Inconformada com a demissão, a agência cobrou na Justiçapelos serviços publicitários que não prestou”, explicou.
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OPINIÃO - 22/11/2024