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‘Onda estrangeira’ força adaptação de escolas

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publicado em 16/08/2017 ás 09h11
atualizado em 16/08/2017 ás 09h12

É cada vez mais comum ouvir palavras em espanhol, francês e árabe em meio à agitação nos corredores das escolas públicas de São Paulo. Nos colégios da prefeitura, por exemplo, os estrangeiros dobraram nos últimos cinco anos e já são 4.747. Somando-se aos estudantes de unidades estaduais, eles já ultrapassam 10 mil na cidade.

São alunos oriundos de mais de 80 países e que desembarcaram na cidade por questões que vão desde a falta de oportunidades à perseguição política e guerras. Metade dos estrangeiros são bolivianos. Haitianos e angolanos estão entre as nacionalidades que mais crescem.

Agora, as escolas em bairros nos quais vivem essa comunidade tentam se adaptar a essas realidades, muitas vezes em iniciativas dos professores e e até dos alunos. Na escola de ensino fundamental Infante Dom Henrique, no Canindé, na zona norte, dois em cada dez estudantes são estrangeiros.

O diretor Cláudio Marques Neto, 49, diz ter encontrado uma escola mergulhada em violência e intolerância quando chegou, em 2011. Os brasileiros cobravam até pedágio de colegas de outros países, sob ameaça de agressão.

Para mudar essa realidade, o diretor passou a reunir alunos estrangeiros e seus pais para discutir suas experiências. Depois, pediu que as crianças convidassem colegas brasileiros para as discussões. “Aí acabou toda aquela violência”, afirma.

Hoje, a escola tem cartazes em várias línguas e um mural que representa diversas etnias. Estimulados pela atmosfera cosmopolita, professores e alunos também passaram a propor iniciativas. Entre elas, está o caso de duas alunas com ascendência boliviana que dão aulas de espanhol para os colegas.

Isolamento

A professora de história Rosely Marchetti Honório, 56, também da escola do Canindé, incluiu nas aulas temas que afetam imigrantes, como xenofobia e trabalho escravo –o projeto foi escolhido como um dos melhores do país pelo prêmio Educador Nota 10.

Ela diz que, no dia a dia, uma das preocupações é evitar que alguns alunos fiquem ilhados, em meio a nacionalidades mais numerosas. Rosely cita o exemplo do angolano Mardoqueu Emanuel, 14, há sete meses no Brasil. “Ele havia se enturmado com outros angolanos, que mudaram da escola. E ele ficou sem os amigos”, diz.

Mesmo vindo do país lusófono, o tímido adolescente batalha para se adaptar ao jeito brasileiro de falar. “Em Angola, fala-se português como o de Portugal”, diz ele, que vive com a família em um abrigo.

Há três anos no país, o sírio Mohamed Gazzi, 10, já superou essa fase, mas o caminho não foi fácil. E incluiu a interrupção dos estudos por causa da guerra civil em seu país. “Por medo, minha mãe não deixava mais eu ir às aulas em Damasco”, diz.

Chegou a São Paulo sem falar uma palavra em português. “Estudei em outra escola, na Mooca [zona leste], e lá ninguém falava comigo nunca. Mas aqui [na Infante Dom Henrique] tenho amigos brasileiros, bolivianos, peruanos”, diz, quase sem sotaque.

O período de solidão que antecede o aprendizado da língua é experiência comum entre as crianças estrangeiras. Superado o desafio, entretanto, elas parecem não dar muita importância para os abismos culturais. Quando indagadas sobre diferenças na nova escola, por exemplo, algumas deixaram de lado questões sociais e religiosas, elencando apenas aspectos físicos como a aparência da lousa e das mesas.

A vida fora do ambiente controlado da escola também é um desafio. A Dom Infante está encravada no meio de uma ativa comunidade boliviana. E do lado de fora dos portões, o convívio entre pais brasileiros e os andinos parece bem mais distante.

Na sexta-feira (11), pais brasileiros em uma rodinha criticavam os bolivianos por supostamente urinar na rua. Já os pais bolivianos, muitos deles costureiros, não são de conversa. Chegam sós, com os filhos na garupa da bicicleta. Após anos no Brasil convivendo principalmente com conterrâneos, ainda têm dificuldade com o idioma.

Fila no português

A alta demanda pelo aprendizado do português fez com que a escola de ensino fundamental Duque de Caxias, no centro de São Paulo, criasse neste ano duas turmas de alfabetização. As salas já têm até uma fila de espera.

A unidade fica no Glicério, bairro que serve de porta de entrada para muitos haitianos e africanos. Na escola, a maioria dos estrangeiros faz parte das aulas do EJA (Educação de Jovens e Adultos). “Há muitos alunos já com formação, mas que precisam do português por questões profissionais”, afirma a professora de artes Marcia Ayres, 45.

Em empregos braçais, eles buscam voltar às profissões que exerciam na terra natal. Marcia conta que um dos estudantes, egresso de Togo por questões políticas, tem PHD em engenharia. Nessa onda, a Secretaria Municipal de Educação começa ainda neste mês um curso de português voltados a imigrantes em dez escolas da rede, com módulos básico, intermediário e avançado.

O secretário Alexandre Schneider admite, no entanto, que ainda falta construir uma política voltada a esse novo público. “O que temos são iniciativas que nascem nas escolas, a partir do fato que os imigrantes se localizam em alguns bairros específicos. Essas unidades adotam práticas pedagógicas e até de inserção. Cabe à secretaria aprender com essas iniciativas”, afirma.

Ele diz que agora as experiências serão sistematizadas e as melhores, incluídas na formação dos professores da rede. “A questão da imigração já é um desafio no sistema educacional dos Estados Unidos e Europa. Agora, em São Paulo também”.

Folha de S. Paulo