João Pessoa, 27 de fevereiro de 2018 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A presença da atacante Tiffany Abreu na Superliga Feminina levantou uma discussão sobre atletas transexuais no esporte. Balizada pelo regulamento, a jogadora foi contratada pelo Bauru e vem chamando a atenção por suas atuações. Mas, ainda que esteja apta a jogar, há quem seja contra sua participação. Depois de Tiffany se tornar conhecida, outras atletas trans também ganharam os holofotes, como Carol Lissarassa, que fez parceria com a campeã Juliana em um torneio de vôlei de praia em novembro de 2017. Neste domingo, a jogadora passou por uma situação um tanto quanto constrangedora. Vetada no feminino, precisou atuar no masculino ao lado de Helio Lucena.
O torneio disputado por Carol no masculino foi a etapa de vôlei de praia de Cruz Alta do Circuito Verão Sesc de Esportes. No ano passado, a atleta foi vice-campeã da etapa de Ijuí nessa mesma competição, só que atuando no feminino. Em 2018, contudo, se inscreveu para jogar ao lado de Grazielle Gonçalves. Só que teve sua documentação vetada.
– Fiquei indignada com a organização, porque no ano passado disputei uma etapa do Circuito Sesc e fui vice-campeã. O documento que apresentei é o mesmo que usei em todas as competições femininas que disputei até hoje, que é minha identidade social como Carolinna Lissarassa, vinculada ao mesmo número de RG do meu nome de batismo. Sempre joguei com esse documento e nunca tive resistência. Para mim, foi um ato de discriminação. Ano passado joguei e fui para o pódio. Esse ano, após todas as matérias que saíram, acho que estou sendo perseguida.
Carol conta que entrou em contato com sua advogada, que procurou a organização do torneio em Cruz Alta, e o jurídico da entidade afirmou que, esse ano, a atleta teria que atuar no masculino se quisesse participar. Depois de uma conversa com seu amigo Helio Lucena, ele deu a ideia de que ela se inscrevesse para jogar entre os homens ao seu lado. E foi o que ocorreu.
– Joguei no masculino para combater essa discriminação e para mostrar que, independentemente de masculino ou feminino, tenho talento e não vou parar. Se esse ato de me proibir no feminino foi uma maneira de me fazer não jogar, eles não conseguiram. Perdemos dois jogos apenas. Na semi, perdemos para os campeões da etapa em um jogo parelho – ressaltou.
A atleta disse que teve dificuldades de atuar no masculino, pois sua força, seu impulso e sua agilidade não são as mesmas dos homens. Contudo, ela conta que Helio Lucena teve paciência e que o jogo da dupla foi em cima da técnica e da habilidade. Carol conta que, de todo o campeonato, seu time venceu “cinco ou seis jogos”, mas que ela só conseguiu virar “uma ou duas bolas na rede”.
– O argumento que o pessoal do Sesc deu foi que o meu registro civil, ou seja, minha certidão de nascimento, ainda consta o sexo masculino. Estou em processo de retificação de nome e sexo na Justiça, e estou aguardando sair. Mas eu já ganhei a carteira provisória com o nome de Carolina Lissarassa, vinculado ao meu RG do nome de nascimento. Meu questionamento é: por que ano passado, quando era a mesma situação, eu pude jogar? Inclusive, fui vice-campeã. Esse ano fui proibida. É um ato de discriminação e preconceito.
Carol explicou que, no Circuito Sesc Rio Grande do Sul, há várias etapas em cidades diferentes do Estado. A próxima será em Torres, no domingo, dia 4 de março. Ela não vai atuar no feminino por conta do veto e nem no masculino, já que caiu na semifinal em Cruz Alta, mas promete comparecer ao evento para assistir. A jogadora lembrou que ela não foi a única prejudicada pela proibição de atuar no feminino.
– Um dia antes da etapa em Cruz Alta entraram em contato para dizer que minha documentação não era válida para jogar no feminino. Eu e minha parceira, de uma hora para outra, estávamos vetadas de jogar. Minha amiga também foi prejudicada, porque ela não conseguiu jogar nenhuma outra etapa. Ela está fora do Estadual, então não fui só eu que perdi com essa palhaçada – falou.
Carol está pré-inscrita para representar o Brasil nos Gay Games, em agosto, em Paris, no torneio de vôlei de praia. A jogadora transexual tem atuado em competições femininas há cerca de três anos, depois de ter iniciado o processo de transição de gêneros.
O Circuito Verão Sesc de Esportes é realizado em janeiro e fevereiro em cerca de cem municípios gaúchos e inclui ainda competições como futebol de areia, futevôlei, basquete, handebol de areia, entre outros esportes.
Procurada pela GloboEsporte.com, a CBV afirmou que o torneio no RS não é chancelado pela entidade. A Confederação disse ainda que não foi consultada ou contactada sobre o assunto e que, se fosse, seguiria as diretrizes do COI. A atleta Carol, nesse caso, poderia jogar, como Tiffany na Superliga.
O Sesc também foi procurado pelo GloboEsporte.com e explicou que o documento de Carol não foi checado devidamente pela mesa de arbitragem no ano passado e que a atleta teria jogado de forma irregular por erro da organização. A assessoria de imprensa lamentou a falha. A entidade reforçou ainda que prima “pela transparência dos processos e o respeito à diversidade em todas as suas ações”.
– O nosso regulamento do circuito verão prevê a apresentação da documentação. Para se inscrever em qualquer modalidade tem que apresentar carteira de identidade e um série de documentos. É à partir dessa documentação que se enquadra a categoria da atleta. No caso da Carol, ela ainda não tem a documentação feminina. A documentação da Carol ainda está no gênero masculino. Ela está no processo de transição, e por isso só poderia participar do evento na categoria masculina. Então foi uma opção dela de atuar na categoria masculina. A participação dela foi bem bacana. Somente por isso ela não pôde jogar – explicou a assessoria de imprensa.
O regulamento do campeonato não cita especificamente o caso de atletas transexuais e prevê apenas que sejam aceitas carteira de identidade, carteira de motorista, passaporte, carteira de trabalho com foto e cartão do Sesc (com foto).
Globoesporte
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