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‘Acordei e não reconheci minha mulher’

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publicado em 04/06/2018 ás 15h33
atualizado em 04/06/2018 ás 15h34

Adam e Raquel Gonzales estavam juntos havia cinco anos quando, um dia, Adam acordou sem conseguir reconhecer a própria mulher. Havia perdido a memória e não se lembrava de ter se casado com Raquel. Ela, por sua vez, não desistiu de reconquistar o amor do marido.

Era cedo quando Raquel entrou de pijamas na sala, numa manhã de setembro de 2016. Viu o marido olhar para ela com cara de confuso. Adam se dirigia a ela como se fosse uma estranha, sem demonstrar qualquer traço de afeição. Parecia não ter ideia de quem ela era.

Eu perguntei a ele: “Você sabe onde está? Sabe que ano é? Sabe quem é meu nome? E ele disse não para todas as perguntas”, recorda Raquel. “Quando mais eu perguntava, mas chateado ele ficava”, completa.

Raquel assegurou que aquela era a casa deles, que era a mulher dele e que eles tinham três filhos. Adam começou a chorar.

“Eu preciso que você pegue minha carteira de identidade, onde está meu telefone e minha identidade?”, disse ele.

A mulher pediu ao marido que trocasse de roupa e avisou que o levaria ao hospital imediatamente. Ela temia que algo de muito grave tivesse ocorrido no cérebro do marido.

Quando Adam abriu o guarda-roupa, perguntou: “Onde estão meus ternos?”.

Raquel explicou que ele não tinha nenhum terno, que ele era um personal trainer. Relutante, Adam vestiu uma roupa e foi junto com aquela mulher desconhecida até o hospital.

Ela estava sendo especialmente cuidadosa, pois sabia que a memória dele já havia falhado em uma ocasião antes: quando uma mulher tentou matá-lo.

Anos antes, em 2011, Adam, então com 35 anos, trabalhava como gerente da gigante de telecomunicações AT&T e era uma figura de liderança na igreja que frequentava, em Lubbock, no Texas.

Depois que seu primeiro casamento acabou, iniciou uma nova relação que terminou de forma trágica. Sua nova namorada era violenta, e um dia tentou estrangulá-lo com um fio, deixando-o inconsciente na garagem. O coração dele parou três vezes no caminho até o hospital, mas Adam foi reanimado pelos paramédicos. Ficou em coma por quatro meses.

“Quando acordei, não sabia quem era. Eu não sabia que tinha me casado e me separado, nem que tinha duas crianças”, recorda Adam.

Ele passou um ano no hospital, aprendendo a andar e a falar novamente. Mas as memórias da vida passada jamais voltaram. Ele foi reapresentado aos filhos meses depois. Achou desafiador olhar para eles pela primeira vez, desde que tudo aconteceu.

“Como um pai se esquece dos filhos biológicos?”, diz ele.

Quando finalmente obteve alta, voltou para a casa cheia de fotografias – com as quais não conseguia se conectar – e de troféus e prêmios que não se lembrava de ter ganhado. O passado dele não mais estava ali.

“Eu estava tentando entender quem era esse Adam. Eu poderia viver com ele?”, conta Adam. Ele tentou voltar ao trabalho e percebeu que não seria capaz de manter o estilo de vida que um dia teve. “Eu não me lembrava nem mesmo onde tinha feito universidade.”

Ele decidiu deixar a cidade onde vivia e recomeçar sua vida. Mudou-se para Phoenix, Arizona, com as crianças, e começou a trabalhar como personal trainer.

Passou a usar sites de namoro e, em 2012, começou a trocar mensagens com Raquel, então uma gerente de marketing de 30 anos com uma filha. O primeiro encontro foi marcado num bar alternativo no centro de Phoenix.

Raquel chegou primeiro, sentou-se na primeira mesa para esperá-lo entrar no bar. Uma hora depois, ele não havia chegado. Ele ligou para ela: estava no restaurante errado. “Pediu tantas desculpas e foi tão humilde que eu pensei: ‘Ok, todo mundo comete erros'”, recorda Raquel, dizendo, logo de cara, que gostou do sotaque texano de Adam.

Ela esperou um pouco mais e, finalmente, ele entrou no bar, vestindo uma jaqueta de couro e jeans.

“Ele não estava tentando ser alguém descolado, e ele era lindo”, diz a mulher. Da parte de Adam, também atração imediata. “Eu não conseguia tirar os olhos dela. Ela tinha covinhas lindas e um sorriso doce.”

A partir desse encontro, eles passaram a se ver com mais frequência. Depois de alguns meses, foram morar juntos com seus respectivos filhos. E, em julho de 2015, casaram-se numa capela nos arredores de Phoenix.

Mas todas as recordações que Adam tinha dos cinco anos que passaram juntos desapareceram naquela manhã de setembro de 2016.

Enquanto estava no hospital fazendo exames, Adam ligou para a única pessoa em que sentiu poder confiar – sua mãe. Ela reassegurou ao filho que ele era apaixonado por Raquel, com quem era casado.

“Ela te ama. E você tem minha benção”, disse a mãe.

Aos poucos, Adam diz que passou a confiar mais em Raquel – e a sentir um certo fascínio: “Havia algo no ar e esse mistério sobre quem é – e era – essa mulher tão legal”, conta.

Eles começaram a “namorar” outra vez ainda no hospital. Encontravam-se em cantos isolados e conversavam sobre sanduíches de queijo grelhado no refeitório.

“Acabávamos descendo as escadas em busca de lanches à meia-noite nas máquinas de venda automática”, diz Raquel.

“Ela me mostrava fotos no celular no que achava ser o MySpace, mas era o Facebook. Era muito interessante”, recorda Adam.

Uma vez, perguntou se tinham uma certidão de casamento, e ela disse que sim. Ela estava no processo de mudar o sobrenome e, por isso, tinha uma cópia do documento na bolsa. Ela pegou a certidão e ele riu.

“Acho que ele começou a ver indícios da mulher com quem se casou, pro bem e pro mal”, diz ela. Mas nem tudo foi positivo. Certo dia, Adam decidiu que seria melhor se eles se separassem e até disse à mulher: “Não me sinto atraído por você e você não me excita.”

Quando ela ouviu isso, começou a rezar.

“É duro amar alguém quando a pessoa não tem nem ideia de quem você seja”, lamenta Raquel.

Mas ela não desistiu. Quando ele saiu do hospital, Raquel o cortejou. Aprendeu a cozinhar – antes, tinha sido ele que cuidava das refeições da família.

Ele notou que Raquel era uma boa mãe e esposa – que se dava bem com os filhos dele.

Um conforto para Raquel nessa situação difícil foi ver que o caráter de Adam não havia mudado.
“No hospital, Adam olhava para mim dizendo: ‘Se você é minha esposa, acho que podemos nos beijar'”, diz ela.
“Este ainda é o marido com quem me casei – ele está sempre tentando conseguir um beijo grátis. Adam sempre foi um paquerador e continua sendo um paquerador.”

As crianças também tiveram que aprender a lidar com a mudança repentina.

Abby tinha 12 anos, Lulu, 15 e Elijah 17 quando Adam perdeu, pela segunda vez, a memória. “Eles cuidaram uns dos outros e eu acho que eles estavam mais atentos e se uniram”, diz Raquel.

As meninas tentaram ajudar na recuperação do pai, mostrando a Adam os exercícios físicos que ele havia ensinado a elas. “Olha papai, isso era o que a gente fazia. Você nos ensinou”, diziam a Adam.

Perda de memória depois de dano cerebral

Subitamente, em um dia em dezembro de 2016, três meses após o segundo ataque de amnésia, Adam acordou e voltou a falar com o familiar tom de voz afetuoso. Ele pediu desculpas por algo que tinha feito havia três anos, quando eles ainda estavam namorando.

Raquel olhou para Adam e perguntou se ele sabia quem ela era. Ele disse: “Como eu seria capaz de me esquecer de você. Você é minha Raquel”.

Era um dia de trabalho e ela, que estava sustentando a casa naquele período, precisava sair para trabalhar. Raquel pediu a Adam para deixar as filhas na escola. Quando foi ver se uma das meninas estava pronta, ele notou que ela estava bem mais velha do que se lembrava. E, claro, não fazia a menor ideia em qual escola ela estudava.

Depois que as meninas deram as direções de suas respectivas escolas, Adam pediu à filha Lulu para colocar no GPS o endereço de casa para que ele não se perdesse.

Adam recuperou boa parte de suas memórias, mas ainda há um “buraco” de três anos, que inclui o período em que se casou com Raquel.

Ele também não tem mais recordações de uma ocasião marcante, em que levou a família à Disneylândia em um feriado de 2013.

Raquel diz estar se preparando para um novo episódio de amnésia e, por isso, documenta cuidadosamente as principais memórias da família.

Ela diz que não se incomodaria em repetir tudo o que passou – mas ninguém sabe se isso é provável ou não. Os médicos fizeram todos os exames cerebrais possíveis – ressonância magnética, ecocardiograma, escaneamento -, mas não conseguiram identificar o que causou a segunda perda de memória.

O casal agora mira o futuro. Dois dos filhos já foram para a faculdade e eles estão planejando uma segunda lua de mel. Adam voltou a trabalhar na igreja e agora é pastor.

“Eu realmente aprendi a me render a Deus e ter fé e acreditar que você pode superar a mais difícil das lutas”, diz ele.

A relação do casal ganhou um novo tom. “Há um novo nível de doçura no nosso casamento que eu acho que não tinha antes”, diz Raquel.

“Nosso casamento enfrentou chuvas e tempestades de mudanças e superamos tudo isso – que melhor maneira de testar um relacionamento do que fazer tudo desmoronar? Toda a minha vida mudou completamente e foi um desastre lindo”, diz Raquel.

BBC