João Pessoa, 12 de dezembro de 2018 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Todo mundo me achou louca por esses dez anos, sabe? (…) ‘Essa menina é louca’. Falar que João de Deus abusou dela, assediou ela?”. O relato é de uma moradora da Região Central de Minas Gerais, de 39 anos, que diz ter sido vítima de repetidos abusos que teriam sido cometidos pelo médium João de Deus.
A mulher, que na época morava em Belo Horizonte, contou ao G1 que, há cerca de dez anos, viajou até Abadiânia (GO) por duas vezes em busca de tratamento espiritual. Na segunda ida à cidade, deveria permanecer três meses, mas, por causa dos abusos que teria sofrido, interrompeu a estadia bem antes.
Depois que a denúncia foi ao ar no programa Conversa com Bial, a mineira, assim como outras mulheres, procuraram as autoridades para contar suas histórias. Ela conversou com promotoras do Ministério Público de São Paulo responsáveis pela investigação. Em Minas Gerais, a polícia investiga pelo menos um caso – em Uberaba – e o MP já ouviu cinco possíveis vítimas (leia abaixo).
Segundo ela, o tratamento espiritual foi sugerido pelo pai, que é médico. “Eu tinha 29 para 30 anos. E o meu pai já não sabia o que ele fazia. Eu tinha muitas crises convulsivas, eu era muito deprimida. E a medicina não achava solução para o meu caso”, diz.
Na primeira visita à Casa Dom Inácio de Loyola, de acordo com ela, o médium teria feito um atendimento. Ela relembra que estava no fim da fila com o pai, quando o médium teria se aproximado. “Ele falou assim: ‘pode todo mundo filmar. (…) Vocês estão vendo que um médico está vindo aqui trazer a filha dele porque a medicina não tem solução, mas você vai ficar curada e você precisa de cirurgia espiritual. Precisa do tratamento também”, conta.
Começo dos abusos
A mulher voltou à capital mineira só para pegar roupas e retornou à cidade goiana para permanecer os 90 dias. Ela diz que, logo, os abusos teriam começado. Da primeira vez, João de Deus teria obrigado que ela o masturbasse, mas em outras ocasiões, conforme conta a mineira, teria havido penetração.
“No primeiro dia, ele chegou em mim e falou assim: ‘aqui, assim que terminar a sessão, você vai lá na minha sala. Eu falei: ‘tá bom ‘”, afirma. Segundo ela, esta sala seria o local onde os atos de violência sexual teriam sido praticados.
“Ele foi e sentou numa poltrona que ele tem lá, eu fui começando a me lembrar de tudo, né? Uma poltrona de couro, preta, assim, né? Tipo poltrona assim de bem poderoso, né? Ele falou assim: ‘então, você vai abaixar sua cabeça e vai fechar o olho. Vai concentrar, vai pensar só em coisas positivas. Você está precisando de energização’. E, quando eu vi, é… ele já tinha aberto a calça, já tinha colocado, é… o pênis pra fora. E aí já começou a… a me pedir… me pedir, não. Pegou a minha mão, colocou no pênis dele e me fez fazer uma masturbação nele”, relembra.
A mulher também diz se lembrar da brutalidade que tomava o médium no momento em que ocorreriam os abusos, que, no caso dela, teriam se repetido por cinco vezes.
“Esses abusos se repetiram é… por quatro ou cinco vezes, mais ou menos. Foram… Foram exatamente cinco vezes. E teve uma vez que… por duas vezes, com penetração. Foi muito constrangedor, mas assim, mas ele… quando ele tá assim, né, é… quando ele estava assim ficando excitado, ele fica assim bruto, grosso, sabe?”, diz.
A mineira afirma que o médium teria dito que poderia dar a ela uma vida de rainha e que pretendia abrir uma casa em Belo Horizonte, em um terreno que seria doado por um político do estado, para que pudesse ficar mais perto dela. Porém, de acordo com o relato da mulher, João de Deus teria feito constantes ameaças, caso ela contasse sobre os abusos.
Socorro ao pai
“E aí eu fui e contei pro meu pai. Eu falei: ‘pai, eu não vou ficar aqui três meses’. Isso já eram duas semanas que eu estava lá. Duas semanas e meia, quase três. Aí, eu virei: ‘pai, eu não vou ficar aqui em Abadiânia. Seu João de Deus está me assediando e está abusando de mim. Aí, ele foi e falou assim: ‘olha, você… o Seu João já me ligou, falou pra mim que você está dando muito trabalho aí, você está difamando ele e você está ficando louca. Como que você faz isso com um homem santo desse?’. Se você for embora daí, eu vou falar uma coisa com você. Você não tem meu apoio mais pra nada. E eu não te recebo em casa”, relembra.
Depois disso, o pai teria retirado todo o dinheiro que havia na conta dela. A mulher conta que, para ir embora de Abadiânia, precisou vender uma calça jeans de marca e uma câmera fotográfica.
Segundo a mineira, a mãe foi a única pessoa a não duvidar dela. Ela relata diversas dificuldades nestes dez anos desde que os abusos teriam acontecido.
“Quando eu paro pra pensar, eu falo: ‘meu Deus, o que esse homem fez com a minha vida?’. Sabe assim… é muito, muito difícil de acreditar que uma pessoa consiga prejudicar a vida de outra dessa forma. Ele falou pra mim: ‘eu vou acabar com a sua vida’. E ele conseguiu mesmo”, desabafa.
Ela conta que, na época, não teve coragem dar queixa contra o médium, até pelo fato de ter sido taxada de louca por muito. Mas, agora, pretende levar a denúncia adiante. Ele afirma estar em contato com a promotora Gabriela Manssur, que integra uma força-tarefa no Ministério Público de São Paulo.
“Então, eu acho que tem que haver justiça. Tem que haver. Esse homem tem que mofar na cadeia pelo que ele já fez”, fala.
G1
OPINIÃO - 22/11/2024