João Pessoa, 26 de maio de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A convite de meu irmão William Pinheiro, morei uma temporada em Paris e lá me agarrei ao sinal do cosmopolitismo, que carrego comigo até hoje. Paris é um lugar que dá vontade na gente de viver mais. Poderia ter ficado lá, me casado com uma francesa, mas sou apaixonado pelo Brasil. Não esse Brasil que está aí.
Paris é cabeça, de ideias feitas, enraizadas na civilização avançada, que se destaca por ser o que ela é e por hospedar inúmeras obras de arte; por ser uma cidade que tem obras de Rubens ((1577-1640), um importante pintor alemão. A Sala do artista fica no Louvre, com a Série de Maria de Médici, um conjunto de vinte e quatro pinturas, encomendado por Maria, a esposa de Henrique IV de França, para o Palácio do Luxemburgo em Paris.
Paris não é só uma festa, como escreveu Hemingway. Mas eu não quero escrever sobre Paris, nem o fato ter tido um domicilio naquela cidade. Meu pai me escrevia cartas de amor e me pedia para descrever a Cidade Luz. Eu era tão jovem…
Nunca esqueci aquele homem bonito, de bermuda jeans desbotado, mulato do cabelo encaracolado, me abraçando no Aeroporto Charles de Gaulle. Dali partimos para Place d’Italie, (onde ele morava), no seu Simca, um carro fantástico, antigo, com tanto cavalos que nem me lembro mais. Acho que foi o único lugar em que não senti falta do mar. Quando estive em Tel Aviv com Áurea Virginia e Wills Leal, “perto mar longe da cruz”, senti saudade do Brasil. Em Paris, não.
Passávamos pelas ruas no Simca e meu irmão fazia o que ainda hoje faço, acenar para pessoas que não conheço. Era sobre isso que eu queria escrever. Sobre pessoas.
Quando vim morar em João Pessoa, há mais 40 anos, eu já tinha essa liberdade, jamais transitória, de cumprimentar pessoas que eu não conhecia. Era o marketing pessoal. Coisa de quem cruza fotografia, ensaios e gozos, como se eu fosse um cara fora da ordem. Sempre fui politicamente incorreto. Sempre com a visão acima do olho. Como assim, visão acima do olho? Existe isso, doutor Lupércio Branco?
Uma coisa boa da vida é conseguir o manuseio da metáfora, viver com ela sobre a perdas e danos. Um antídoto contra o viver pelo despovoamento de uma cidadezinha do interior onde nasci, mas João Pessoa já me bastava. Estou velho e não pretendo me separar da cidade com quem me “casei”. Daqui não saio, mas alguém pode me tirar para dançar um outro Tango em Paris. Ué, já voltei ao tema?
Essa metamorfose que vai levando nossa vida, entre pandemias, retirantes, amigos, severinos, solidão e as podridões espalhadas na tela da TV, não é outra coisa, senão, os sinais ilusórios de comospolitismo que vi lá em Paris. O mundo ainda não acabou, mas parece que agora somos todos iguais nessa rede. Moros e muralhas de um país selvagem de muitas caras, mas que tem astral que nada chega perto. Uma ginga, um sexo, um colo, um dengo que vem das práticas ancestrais, dos versos de João Cabral de Melo Neto, Gregório de Matos Guerra e Castro Alves, com seu Navio Negreiros afundando aos olhos do Deus dos miseráveis, além dos modos de vida online e o funaré, que não se explica
Como eu ia dizendo, aqui em João Pessoa, na década de 70 , o K chegava para determinadas pessoas e dizia: olá, tudo bem? Eu sou Kubitschek Pinheiro. Levei muitos foras, mas fui dentro mais de mil vezes. Foi assim que eu conheci milhares de pessoas. Algumas tive que deletar, porque elas por elas, nada.
Ainda hoje abomino a cafonice, mas sei ser careta.
Quando fui convidado para escrever no MaisPB, de Heron Cid, ou desde que começamos a nos sintonizar e não existe nada melhor que conversar com pessoas inteligentes, fiquei a lembrar de Paris, do Simca de WP estacionado perto da Notre Dame. Mas eu não quero escrever sobre Paris. Merci, Heron!
Kapetadas
1 – Amanhã, às 23h50, vou bater um papo com uma neurocientista que vai falar sobre saúde mental na pandemia. Não será no meu Instagram. Será no dela. Mandem perguntas.
3 – Som na caixa: “A vida me fez assim, doce ou atroz, manso ou feroz, eu, caçador de mim”, Milton Nascimento.
MaisPB
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OPINIÃO - 22/11/2024