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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Abraçando cicatrizes

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publicado em 02/06/2020 ás 08h18
atualizado em 02/06/2020 ás 09h19

As janelas estão nas ruas. Vi milhares tocando fogo em cidades americanas. Há quantos anos os negros são humilhados, chicoteados e mortos? Há séculos. Há certamente várias maneiras constrangedoras de contar isto, mas não consigo evitar a referência ao homem branco.

Devia começar pela postagem da cantora negra baiana, Margareth Menezes, que vive na dela e se manifestou em suas redes sociais sobre a morte de George Floyd, um cidadão negro de 46 anos. “Sabe que fogueira é essa?”, indaga ela. “É uma fogueira que representa a indignação que nós pretos e pretas sentimos todas às vezes que uma pessoa negra morre assassinada inocente pela sanha racista e que muitos acham aceitável”. Isso dela dizer “aceitável” é assustador. Quem deveria ser colocado nessa fogueira, Margareth?? Eu abraço as cicatrizes dos negros.

A vida dos negros, toda ela, está ligada ao ódio racista. Nas imagens o policial americano escuta Floyd dizendo que não está conseguindo respirar e ele o mata como se gostasse de fazer, causando horrores e constrangimentos. A cena é a mesma, só que agora filmada.

George Floyd, ele era ele, negro, com seu rosto incerto ou mutável a se fixar continuamente, e cada alteração fisionômica, entre todas as inúmeras possibilidades, a mais violenta, ser morto sem motivo, num mundo em que perdemos de vista as valas de pessoas que não respiram mais e perderam a guerra contra o Covid 19.

Esse ódio, esse estremecimento em que não sabemos se foi o mundo que parou ou se alguma coisa desconhecida acordou em nós, mas saber que mais um preto foi morto por um policial americano, e no Brasil um adolescente negro, João Pedro, foi assassinado por policiais brasileiros, é uma coisa muito triste.

Há algo de desconcertante nesses seres humanos que vão as ruas tocar fogo em carros e prédios? Para mostrar ao mundo que não aguentam mais. Os negros não suportam transportam consigo a memória dessa discriminação. E sobretudo, a forma como se reconhecem, ao pressentir a irredutível indiferença de outros.

Não tem justificativa matar um cidadão e deixá-lo exangue. Não tem quarentena que conserte a mente dos racistas, machistas, idiotas e assassinos. Por isso os centros nervosos acendem e brotam as manifestações. No final de semana jogadores alemães e entre eles, um negro americano, pediam “justice for George Floyd”, estampadas em seus uniformes.

Dependemos dessa desconstrução? Dessa descrença, para conferir esse carácter incomparável aos encontros das pessoas sensatas e, no entanto, dividimos incessantemente essas cenas que sempre vão existir: um policial matando um negro por ele ser negro, por ele ser pobre.

O mundo, mesmo doente, exige uma resposta reiterada. A mais pequena passagem de tempo desatualiza a confissão do amor mais credível entre os homens.

Caetano Veloso está certo: “Para os americanos branco é branco, preto é preto, bicha é bicha, macho é macho, mulher é mulher e dinheiro é dinheiro” Chega dessa propagação do mal.

Partilhamos com o outro a genética diferente e os mesmos estados emocionais. Eu não entendo, eu não quero entender. Ódio aos que matam os negros com a mão.

Kapetadas

1 – Tá tão frio que eu tô caçando briga só pra poder ficar no calor da discussão.

2 – Meu pai dizia: Pra morrer, basta estar vivo, hoje: basta sair de casa.

3 – Hoje não tem som na caixa.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB