João Pessoa, 15 de junho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Cheguei à janela de meu apartamento e pude apreciar as regiões no seu entorno. Vejo os bairros Manaíra, Jardim Luna, São José e constato ruas desertas, num clima bucólico, triste, sem nenhum ruído. Como era de costume, antes ouvia a música de um bar, o alarido, as batidas das pedras do jogo de dominó, a construção civil, lazer dos moradores, a zoada do carro, do alto-falante anunciando mercadorias para vender, do taxista que chegava para o almoço, abria a porta do carro e o som das músicas bregas ecoavam para todos os lados. Hoje sinto saudades… Era a vida presente. Este contexto atual nos atemoriza. Reina a profunda quietude, a desolação. O mundo está em remanso. A mudez sempre me incomodou mais do que as palavras, mesmo quando elas me ferem. Para mim o silêncio é o mais forte sentimento do ser humano. É o dizer tudo, sem que seja dito nada. A grande questão é que o dizer nada pode se tornar dizer nunca. No tempo dessa pandemia o mundo adotou o silêncio sepulcral. Tudo parece inerte, sem vida. O que ele procura ou tenta nos dizer? Várias conjecturas surgem. E nessa busca de diálogo para encontrar razões, elas são em vão e inexistem explicações plausíveis. Recorremos ao imponderável e inquestionável: Deus. Através desse entendimento crê-se que está nos alertando para voltarmos a Ele. Teríamos esquecido de sua existência? Ele permitiu essa pandemia para provar como o homem é frágil e impotente? Já que mesmo com o domínio técnico- científico não se consegue debelar o problema? Chamou a atenção para as agressões feitas à natureza e ela está quieta nos falando que precisava um tempo de repouso e sossego? Poderia ser mais aliviada, respirar melhor e proporcionar ao homem ambiente mais saudável e limpo? Isto surgiu para se valorizar a vida e as relações humanas? Falei quando devia ter ouvido, fui grossa quando devia ser gentil? O que em minha vida aprovo, valorizo e me identifica? Será que atribuímos importância às coisas que nesse momento mostram-se de menor valor e até podem ser desprezíveis? Estava equivocada? Devo contar com os mais próximos de mim, compartilhar meus problemas, chorar pelas suas lágrimas, ouvir seus medos, sentir suas dores? Viver, amar e sonhar? Isto fortalece e revigora o meu ser? Todos esses questionamentos surgem no meu pensamento nesse contexto sereno buscando justificativas para os acontecimentos. É meu ser desejoso de se encontrar com ele mesmo.
O sociólogo Roniel Sampaio Silva (2019), professor e estudioso, fala do silêncio como elemento civilizador. Ele difere o silêncio do barulho. Parte do pressuposto que estes dois elementos são ferramentas de socialização. Existe entre eles uma dialética; um sem o outro perde o sentido. São antagônicos mas se complementam. A natureza é repleta de sons: é a noite, o mar, a chuva, os trovões, o sussurrar dos ventos. O som existe no universo transformando-se em fala, música, poesia, discurso, politica, ciência etc. Ele é o ponto de partida para todo aprendizado e compreensão do mundo. O som é a linguagem mas a ausência dele também o é. Há tempos de silêncio e de som. Nosso corpo possui um conjunto de dois aparelhos que captam sons: os ouvidos. Por isso como diz o sábio: o homem possui ouvidos para que ouçamos mais e falemos menos.
Comunicar precisa do pensar, que nem sempre se apresenta como prática reflexiva. Entender o silêncio pressupõe ética, que implica na construção dos sentidos do mundo e, em particular, do pensamento e da linguagem. O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por exemplo, era conhecido como orador brilhante. Uma das coisas que sempre utilizava em seus discursos era a pausa, quando ia discorrer sobre assunto relevante. Essa pausa fala mais que o uso das palavras, é a arte do silêncio. Que é também utilizada por muitos atores em cenas de teatro. Escreve Jean Starobinsk (1991): “O oculto fascina”. Pode-se dizer também, inspirados nele, que ele seduz, encanta porque guarda uma força estranha que leva o espírito a se voltar para o que não existe. É o silêncio entre as palavras que dá sentido à fala, e o mesmo acontece com o pensamento NOVAES; (2014).
Starobinsk, diz que o silêncio fascina. Necessariamente nos deparamos com a realidade contemporânea onde o silêncio muitas vezes é negado pela tentativa de “preenchimento” total da vida pela fala, pelos sons e pelo barulho. O silêncio convida à reflexão, é entendido atualmente como espaço de vazio e solidão. Para Starobinsk existe “a voz do silêncio” título do livro escrito por Helena Blavatsky (2004), considerado pelo 14º Dalai Lama como sendo uma positiva influência para os seguidores do Budismo; trata da inspiração verdadeiramente divina, a comunicação direta do devoto com sua alma imortal.
Na análise sobre o silêncio DUARTE (2014) evidencia que existe um misto de fascinação e medo, sedução e angústia. Fala de quem escuta, de quem se recusa a falar, de cúmplices, de desaprovadores, de ameaçadores, de repousantes. COELHO (2012), diz do sofredor, daquele que está sofrendo e possui seus “dizeres” próprios. É uma realidade existencial; evidencia-se na fala ou no corpo silencioso. LAPOUJADE (2014), expressa-o na fé religiosa dos monges, dos amantes que se olham, da torcida de futebol diante do gol do time adversário, da leitura e das bibliotecas, o prazeroso do orgasmo e o doloroso do trauma, dos soldados que voltam das guerras, dos prisioneiros dos campos de concentração, do imaginado do espaço sideral, do lacônico do tirano, do brutal da violência, do silêncio hipócrita em nome do bem-estar social, do surpreso, do pensamento. Paulo Freire (1970), em seu livro Ação Cultural para Liberdade afirma: “Na cultura do silêncio as massas são ‘mudas’, isto é, elas são proibidas de criativamente tomar parte na transformação da sociedade e, portanto, proibidas de ser”.
Como se depreende, cientistas das mais diversas áreas do conhecimento procuraram buscar explicações e justificativas para esse fenômeno, com distintas e múltiplas interpretações e circunstâncias. Constata-se que ele é uma ferramenta, uma estratégia, um artifício, possui importância e poder. Já dizia Mark Twain(1835-1910): “A abelha trabalha na escuridão, o pensamento trabalha em silêncio e a virtude no segredo”. Diante desse momento estamos aprendendo e sendo desafiados a valorizar mais a dimensão humana, fazer coisas que normalmente não fazíamos e refutávamos por achar menores. Ele permite que fiquemos atentos para sentir mais os cantos dos pássaros, apreciar o céu, as estrelas, a paisagem e a ouvir nosso pensamento e nosso interior. É o som da vida refletido no âmago profundo de nossa alma. Tiremos desse momento o que de melhor ele tem, a voz do silêncio que impera.
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OPINIÃO - 22/11/2024