João Pessoa, 22 de junho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Nesse tempo de pandemia acompanhei um casamento on line. A juíza de uma Comarca do interior do Estado, trabalhando home office, celebrou o casamento de agricultores bem humildes. Um amigo gravou em vídeo e mandou para mim. Emocionante! Vi, naquele ato, diante das dificuldades causadas pelo momento, a vontade de sacramentar o sentimento do amor. Eles romperam todas as barreiras e a justiça, não sendo intransigente, usando o discernimento e com os meios tecnológico que dispõe, satisfez o desejo de legitimar a união. A juíza, de sua casa, usando seu computador, o casal também em sua morada usando o celular e o oficial de registro civil, no Cartório da cidade. Isto foi possível graças ao aplicativo Skype que cada um baixa em seus aparelhos e permite que se vejam e estejam conectados. A juíza, com sua imagem nas telas do casal e do Tabelião dá início à cerimônia. Pergunta: É de livre e espontânea vontade que José aceita Julia como legitima esposa? Ele responde: Sim. Ela prossegue: Julia, é de livre e espontânea vontade que aceita José como seu legitimo esposo? Ela diz: Sim. A magistrada se expressa: Em nome da lei e de acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim os reconheço como marido e mulher. Em nome da lei os declaro casados. Estão casados. Certo. Civilmente. Têm alianças para trocar? Querem trocar as alianças? Eles dizem: queremos. Ela comunica: podem trocar. E acrescenta: a aliança é um círculo; o seu significado quer dizer que não tem início nem fim, porque ela representa o amor de vocês que é infinito. Está bem! Se quiserem se beijar, fiquem à vontade. Podem. Eles se beijam perante as duas testemunhas que estavam presentes. Ela diz “desejo ao casal muitas felicidades e que Deus abençoe essa união que estou celebrando hoje”. Encerra-se assim o protocolo.
O casamento é uma tradição milenar; está incorporado às sociedades. Ao longo dos séculos, tomou formas e funções diferentes de acordo com a respectiva cultura. Esteve vinculado a história do cristianismo, em particular da igreja católica. A Igreja inseriu Cristo na família, e incluiu, no ritual, o consentimento dado pelos noivos por meio do SIM, bem como a bênção nupcial. A depender da cultura pode ser cristão, Judaico, ortodoxo, evangélico, anglicano, civil e outras. Cada uma celebra a união conjugal com ritos diferentes. Até o século XI, os casamentos eram arranjados pelas famílias dos noivos, com o objetivo de manter a riqueza, conquistar novas posses ou manter alianças políticas e militares. Reis, príncipes, rainhas, princesas firmavam tratados para assegurar a estabilidade econômica de seus reinos. Em 1140 foi normatizado por Decreto de Graciano, monge jurista romano, com o direito canônico disciplinando condutas e costumes segundo a Igreja Católica. No séc. XII a liberdade foi concedida na união matrimonial. Com a criação da Igreja Anglicana, em 1534, a dissolução do casamento entre o Rei inglês Henrique VIII e a rainha espanhola Catarina de Aragão foi marco importante para a contestação do caráter permanente da união matrimonial. Na Europa, em 1836, o casamento deixou de ser um ato exclusivamente religioso, passando a ser possível a união civil. Em diversas regiões do mundo, como China e Índia, existe a prática da “compra da noiva”, a qual se torna propriedade do esposo, podendo esta, ocasionalmente, ser revendida por este. O Casamento infantil existe na Ásia e na África, em que as crianças são prometidas ao marido desde pequenas.
No nosso País a legislação com relação ao matrimônio tem evoluído muito para atender as demandas da sociedade. Seguindo a linha do tempo encontramos as primeiras mudanças efetivas na década de 1960, com a criação do Estatuto da Mulher, aprovado por meio da Lei 4.121, de 1962. Alterações começam a acontecer somente após a década de 1970 com a legalização do divórcio, através da promulgação da Lei 5.115, de 1977. Com a aprovação da Constituição federal de 1988, houve a mudança na concepção de família, ampliando o seu conceito e legitimando muitas coisas que já existiam. No Brasil, o casamento é um contrato e uma instituição social, regido pelo Código Civil de 10 de janeiro de 2002. O casamento ocorre por várias razões: procedimento formal da família; afetiva, para buscar estabilidade econômica e social; para construção da família, procriar e educar os filhos; legitimar o relacionamento sexual ou para obter direitos como nacionalidade.
O casamento tal qual existe hoje, com seus ritos, teve início com a rainha Vitória, que na Inglaterra inaugurou o primeiro visual noiva. Apaixonada pelo primo, o príncipe Albert de Saxe-Cobourg-Gotha, ela tomou a iniciativa de pedi-lo em casamento. O protocolo de época dizia que ninguém poderia fazer tal pedido a uma rainha. Ele aceitou. Foi a primeira vez que se teve notícias de alguém casar por amor. Vitória acrescentou ao seu traje nupcial um véu, que era algo proibido porque a rainha não devia cobrir a cabeça. Isto foi feito para demonstrar sua personalidade e identidade, ao público. Nascia aí um costume que atravessaria o tempo e daria a Vitória o reconhecimento de trazer para a nossa época o amor, como sentimento básico para unir um homem e uma mulher.
O casamento é repleto de simbolismo. As alianças representam o vínculo entre duas pessoas que se amam. Elas concretizam e materializam o sentimento de amor que há entre o casal. É marcado por um ato que se convencionou chamar noivado. O véu, representa proteger a noiva de mau olhado de algum admirador ciumento. Atirar arroz no casal, depois do ato da cerimônia, vem do ritual grego que indica fertilidade e riqueza. Atirar flores no trajeto da noiva é um costume romano, acredita-se que a noiva, passando sobre as pétalas, teria sorte e carinho perene de seu amado. O buquê tem origem medieval, construído de flores cujos aromas os gregos acreditavam afastar os maus espíritos e garantir uma união frutífera. Na Polônia, se acrescenta açúcar ao buquê para manter o temperamento da noiva “doce “. Os padrinhos protegem a noiva de um possível rapto. As damas de honra afastam os maus espíritos porque os enganavam por estarem vestidas todas iguais. A entrega da filha pelo pai ao noivo simboliza que ela a pertence. O bolo, indica sorte e fertilidade. O beijo, para os romanos, trocado entre os noivos converte-se numa permuta e num compartilhar de suas almas. A cor branca do vestido quer dizer pureza e virgindade, porque antes a cor era vermelha, entre outros.
A sociedade é conduzida por três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, todos muito importantes para mantê-la em equilíbrio e harmonia. No entanto destaco entre eles o Judiciário. Por que? Ele é o que julga, absolve e condena o homem. Decide sobre sua vida, estabelecendo os direitos e deveres do cidadão. Disciplina, orienta e ratifica comportamentos e normas a serem adotadas. Merece todo respeito e admiração, pois seus membros, na investidura do cargo, hão de ter o discernimento para agir fazendo cumprir a ordem e a lei à luz da Constituição Brasileira. Identifiquei, no desenvolver da cerimônia matrimonial, a seriedade, a vocação de juíza, transparente na performance e na postura ao conduzir a solenidade, agindo com competência, autoridade e respeito de quem é cônscia da importância e da responsabilidade do que realiza. Era transparente sua honestidade nas suas ações. Exercia o papel da verdadeira magistrada, profissional que credencia o judiciário e dignifica a instituição com sua seriedade protocolar. Muito concentrada, séria, imbuída do cargo que galgou graças a oportunidade de realizar concurso público. Acrescento, ainda, o que transpareceu além do profissionalismo, a dimensão humana e cristã de que é possuidora. Permitiu que os noivos trocassem as alianças e se beijassem e, em seguida, em nome de Deus os abençoou. São gestos como esse que nos faz pensar que o amanhã será muito melhor. É detentora de um poder incomensurável, preparou-se para o cargo. Parabenizo a justiça que consagra o amor entre os homens.
Tão bonito o casamento de Júlia e José.
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OPINIÃO - 22/11/2024