João Pessoa, 27 de junho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Antes da leitura devo destacar um aviso. Caso você não seja nascido, não tenha se criado ou passado longa temporada na Paraíba, pode ter certa dificuldade para entender meu texto, seja por suas palavras, expressões ou ritmo da língua particular, que usando da licença literária, a defino como paraibanês. Essa que recorrerei algumas vezes como estética linguística para os próximos parágrafos. No mais, adiante.
“Eu sou da Paraíba e esse é meu lugar”, assim como canta Tom Oliveira em “Paraíba joia rara” e, diferente do que carrega a bandeira rubro-negra do estado, eu não “nego”. Talvez minha aparência física não denuncie de cara de onde sou, pelo menos nunca me ocorreu de ser reconhecida em minha origem pelos meus traços, mas o meu falar… É só abrir a boca, pronunciar duas ou três palavras e ali está ele, o meu autêntico e marcante sotaque paraibanês, cheio de verbetes que deixam alguns perdidos.
O cantor e compositor Luiz Gonzaga, que não era paraibano, mas irmão próximo do vizinho Pernambuco, já avisou em canto (e encanto) em uma de suas músicas: “Lá no meu Sertão para o caboclo lê, tem que aprender outro ABC”. Eu, que nem sertaneja sou, mas litorânea da capital João Pessoa, também aprendi o bê-a-bá desse alfabeto tão particular do ser nordestino. O “jota” sempre foi “ji” e o “éle” sempre foi “lê”, o “esse” é “si” e o “érre” tem nome de “rê”, como ensinava o rei do baião.
Aqui em São Paulo, só preciso lançar meu matinal cumprimento com um sonoro bom “día”, e não o bom “djia” paulista, para conferir que daqui não pertenço. Alguns com sorriso no rosto perguntam logo se eu sou da Bahia, outros arriscam o Ceará, estados de sotaques tão diferentes do paraibanês, mas que adoro, em especial o manso linguajar do baiano.
Pelas bandas do Sul, Sudeste, muitos acham que todo nordestino fala igual, talvez pelo regional oxe, oxente, vixe ou ixe, que cabe a qualquer um dos nove estados do Nordeste, mas a verdade é que cada um expressa a cadencia e sonoridade das palavras de forma particular.
Por aqui, pela terra da garoa, para minha surpresa e imagino que para sua também, as pessoas demonstram quase sempre um encantamento pelo meu sotaque; alguns riem, acham engraçado; outros não me entendem quando falo rápido demais, mas a maioria aprecia um bom paraibanês. E quem já visitou a Paraíba também não poupa energia ao elogiar nossas praias, comidas e povo acolhedor.
Eu já escutei frases do tipo: “que sotaque gostoso, é bom de escutar”. E por falar em ‘tipo’, uma vez ao pronunciar corriqueiramente esse substantivo fui chamada a atenção: “Que bonito, você fala ‘típo’, né?”. Tive vontade de responder com um “e apois”, porém devolvi em pergunta: “Sim, e você diz ‘típo’ como?”. A resposta: “Tchipo”. Só faltou um mano ou meeeo no final da frase para sentenciar o autor da observação como um típico paulistano.
O Brasil é grande demais para ter realmente vocábulos e expressões comuns a todos. E isso foi muito fácil de observar quando fiz intercâmbio no Canadá. Às vezes, era mais fácil entender o inglês iniciante de um japonês ou árabe (o que garanto ser tarefa árdua e sofrível) do que o brasileiro com seu português impregnado por suas gírias e pronúncias regionais.
Juntava a paraibana aqui com os paulistas, cariocas, goianos, mineiros, paraenses, cearenses e a comunicação por diversas vezes travava. “O quê?”, “não entendi”, “mas isso significa o quê?”. Precisei explicar para amiga paulista que friso é grampo de cabelo e aprendi com o colega porto-alegrense que ‘dois palitos’ nada mais é do que algo avexado.
Eu, que anseio por descobrir e visitar o maior número possível de cidades, países, continentes, desde cedo percebi meu espírito desbravador. Adapto-me bem a qualquer local e, por isso mesmo, sinto que não pertenço a lugar nenhum. Porém, a nossa origem é imutável e eu mesma que nunca quis mudar a minha. Tenho orgulho de onde sou e acho arretado meu modo de falar.
Desculpe-me o lugar já tão comum e talvez até clichê, mas já dizia o célebre e aclamado escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, “eu não troco meu oxente pelo ok de ninguém”.
Sim, caso ainda queira, pode “mangar” (se você não é paraibano leia rir ou até caçoar) à vontade do meu dialeto arrastado. Não me importo, eu acho bu-ni-to. Na verdade, mas que bonito, ele é meu, é parte de mim. Mostra minha procedência, entrega minhas raízes. Não importa quantos anos eu fique fora da minha cidade natal ou a quantos quilômetros esteja distante dela, é só me ouvir para sempre reforçar de onde vim e nessa autoafirmação me motivar aonde quero chegar sem nunca esquecer de quem realmente sou.
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