João Pessoa, 01 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Dá-me de beber”, diz o mestre a samaritana.
Dá-me de beber, digo eu a todos os deuses que habitam o útero de todas as coisas.
Sim, tenho sede, muita sede, mas não só de água, ou seja, do h2o que sempre rareou em minha terra. Daí, sua opacidade e aspereza, embora sejam belos seus alcantis feitos de aço estelar e de ventos alucinados.
Tenho sede da água viva (Clarice bebeu este título no leito da Bíblia!). A água viva que corre pelo rio da justiça e da liberdade. Como tenho sede de liberdade e justiça!
Tenho sede de amor, o amor que Dante assegura mover o sol e as outras estrelas. O amor que, em sendo amor, transcende a morte e nos oferta o nervo sagrado da vida.
Sim: tenho sede dos amigos, pois a amizade, em sendo amizade, dura para sempre. Cristal que não quebra, socorro a toda hora, emblema perfeito da alteridade.
Tenho sede dos filhos, porque multiplicam o mundo e levam na alma a cicatriz da paternidade, o patrimônio herdado pelo fluxo do sangue e pelo calor espiritual que modela as criaturas.
Tenho sede de leitura, sede de livros, sede de bibliotecas. A leitura é uma aventura feliz em territórios reais e imaginários. Os livros são países exóticos, paraísos artificiais, o melhor abrigo para quem está sozinho. As bibliotecas resumem o mundo e se deixam moldar pelo fio imperceptível da sabedoria democrática. Todos se juntam na construção da grande utopia!
Dá-me de beber!
Tenho sede dos pássaros que fazem a melodia das manhãs; sede das manhãs, que inauguram, a cada dia, o mistério de viver.
Tenho sede das noites e das madrugadas. Seus segredos imprevistos, suas temporalidades quânticas, sua poesia solitária escorregando pela garganta das horas e dos minutos me levam para a geografia do deserto, onde esta sede pulsa, aumenta, dói…
Tenho sede dos animais em sua rude perfeição. O cavalo, por exemplo, foi meu sonho de menino. Alazão alado cortando o corpo da caatinga e se precipitando, sem temeridade, no abismo das furnas e grotões de minha infância. Turmalina, a novilha das novilhas, era bela e mágica. Hoje entendo melhor o ciúme do boi Labirinto!
Tenho sede de lealdade, de verdade, de grandeza humana, de compaixão e caridade. Sede de um mundo melhor, de um país melhor, de uma cidade melhor. Os lugares têm seu tempo. Os lugares devem proteger os homens. Os homens devem cuidar de seus lugares.
Sim: Dá-me de beber!
Tenho sede da palavra e muita sede de poesia. Penso a palavra como a água mais viva, o meu alimento diário, a minha ração de delírio na horta pequenina do cotidiano. A palavra e suas vértebras enriquece o vazio dos dias. A poesia: a poesia é milagre. O tempo dela é o da hora sexta, isto é, a hora da decisão, a hora da sede maior, da solidão maior, do nosso encontro com Deus!
De Deus, cada vez mais, tenho sede!
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TURISMO - 19/12/2024