João Pessoa, 16 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A morte é parte inexorável do ciclo da vida. Apesar de constituir um evento natural, raramente estamos preparados para enfrentá-la. No passado, as famílias, em geral compostas de proles muito numerosas, conviviam com altas taxas de mortalidade infantil e curta expectativa de vida. Os recursos médicos eram limitados, morria-se frequentemente em casa, e a finitude da vida era muitas vezes enfrentada com resignação, como parte integrante da existência – um desígnio divino. Atualmente, a maior parte das pessoas morre em hospitais, em UTIs, longe da família e dos amigos. Assim, o fim da vida deixa de ser um acontecimento natural, passando a constituir o desfecho dos mais desafortunados, uma percepção que representa um desafio ao homem no que tange à reflexão sobre o significado de sua própria existência.
Não se discute que o homem vive mais hoje do que em qualquer época da história, graças aos extraordinários avanços sociais e da medicina, que resultaram em notável redução da mortalidade infantil, no aumento da longevidade e na melhoria da qualidade de vida do ser humano, ensejando, por outro lado, a sobrevivência de pacientes portadoras de doenças agudas ou crônicas anteriormente letais. Em pacientes com doenças incuráveis, e em fase terminal, desde logo postou-se o questionamento se seria justo e recomendável proceder-se à sua reanimação, adotando-se medidas fúteis, desproporcionais e desnecessárias, mantendo uma “vida artificial” ou, ao contrário, se seria legítima e aceitável, a suspensão ou a abstenção de tais medidas, nos pacientes terminais, ou seja, aqueles que não respondem a nenhuma terapêutica conhecida e, consequentemente, entraram num processo que conduz irreversivelmente à morte. A noção falaciosa de que a morte é o fruto do fracasso do conhecimento científico e da incompetência profissional, tem gerado abusos dos profissionais de saúde que se esmeram a todo custo para prolongar uma vida que não mais existe, uma sobrevida artificial, às custas de aparelhos e drogas potentes. A doença terminal suscita grande desconforto, sofrimento e graves problemas emocionais, além de evocar dilemas éticos, religiosos, jurídicos e econômicos. Questões filosóficas e teológicas estão envolvidas na interpretação da finitude da vida.
Nesse contexto, o CFM posicionou-se de forma muito lúcida, e editou a Resolução 1.805/06 contemplando a Ortotanásia – conduta que encontra respaldo no próprio Código de Ética Médica – e, posteriormente, a Resolução 1.995/2012 que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
A Constituição Federal defende a dignidade humana e, como pontua Gisele de Carvalho (Apud Torre,2011), “a manutenção de terapias que não oferecem quaisquer expectativas reais de recuperação para o paciente (….).implica grave atentado à dignidade da pessoa humana, em tudo contrário à proibição constitucional de submissão a tratamentos desumanos ou degradantes”.
O papa João Paulo II, com muita sensibilidade e sabedoria, assim expressou:” distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas ao resultado que se poderia esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para sua família .( …). A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte”.
Dessa maneira, a distanásia, a obstinação terapêutica, representa a postergação injustificável da morte, em detrimento de qualquer benefício, violando os direitos humanos e a dignidade do enfermo.
Acolher o paciente nessa hora derradeira, com amor, empatia e dedicação, garantindo-lhe os cuidados paliativos, o alívio do sofrimento e da dor, é parte indissociável do nosso nobre mister.
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