João Pessoa, 18 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Minha mãe, Creusa Pires, participou da fundação da AMEM, que poucos abnegados tocam até hoje. A sigla quer dizer Associação Metropolitana de Erradicação da Mendicância. A ideia original era colocar naquela fazenda urbana os desvalidos da sorte para que pudessem recuperar sua dignidade e serem reintegrados à sociedade. O financiamento do trabalho seria bancado por doações do povo. Ao invés de dar esmolas no meio da rua, cada pessoa faria uma doação à AMEM. Infelizmente a ideia perdeu-se no caminho.
Cresceu muito a cidade e mais ainda a mendicância. Depois da pandemia a situação chegou ao extremo. Poucos são os sinais luminosos em que não existam famílias (com crianças expostas, é necessário registrar) ostentando cartazes onde pedem ajuda. Dói na minha alma constatar como nossa sociedade não conseguiu resolver esse gravíssimo problema de inclusão. Não há nada mais terrível do que um cidadão ser forçado a pedir uma esmola para alimentar sua família. Porém meu lado cidadão tem outra vertente, a da solução do problema. Se o poder público se mostra cada vez mais ineficiente para enfrentar essa chaga da humanidade, creio que o povo vai mais uma vez ter que assumir o protagonismo. Claro que esse não é um problema só nosso. No Rio e em São Paulo ele existe. Vi isso em Nova Iorque, um pouco menos na Europa. Mas me preocupo é com aqui e agora. Fico constrangido com a fome alheia. É suficiente? Claro que não.
Alguns pedintes sabem ter estilos próprios; há os insistentes, os penitentes e até os agressivos. Mais agressiva é a fome. Constrangimento nenhum irá superar a miséria. Dor maior do que ver seu filho com fome e não ter o que ter pra dar é impossível.
E a população a tudo assiste, acostumando-se a conviver com a miséria alheia por não querer começar a discutir o problema.
Às vezes comparo essa situação com um sapato novo que aperta o pé mas que usamos na certeza de que com o tempo ele irá ficar folgado e nos dar conforto. No caso dos pedintes é o pé que continuará a inchar e ocupar mais e mais espaço no sapato, aumentando o desconforto, tornando-se dor permanente e lá na frente, num dia que espero jamais aconteça, gangrenando e apodrecendo todo o corpo.
Mais do que nunca lembro da sensatez de Creusa Pires. Como seria bom se não precisássemos dar esmolas, contribuindo com um organismo que curasse essa ferida supurada que infecta nossa sociedade por culpa exclusiva dos (des)governos que só tem olhos para seus bolsos.
A banda Skank já cantou: “Eu tô cansado, meu bom, de dar esmola, essa cota miserável da avareza, se o país não for pra cada um, pode estar certo não vai ser pra nenhum”.
Termino invocando Gonzagão: “Uma esmola a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
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TURISMO - 19/12/2024