João Pessoa, 20 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Recentemente, Barri Weiss, (ex-editora do New York Times), denunciou a hostilidade à dissidência que predomina em um dos mais prestigiados veículos de comunicação do mundo. Igualmente, pululam, nas redes sociais, campanhas que buscam prejudicar (profissional, financeira e pessoalmente), aqueles que ousam ostentar posição dissonante dos cânones progressistas, no que se convencionou denominar cultura do cancelamento.
Acresce que as próprias redes sociais impõem censura às manifestações que não se coadunam com seu credo (vide artigo “Guerras de Narrativas Digitais”). Os fatos acima ensejam uma reflexão em torno da liberdade de expressão e de sua importância.
Em 1884, Machado de Assis publicou o conto “A Igreja do Diabo”, que – a exemplo do “Fausto”, de Goethe e do “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de Saramago – retrata um desses momentos em que os símbolos antagônicos do Bem e do Mal entabulam diálogos, medem forças e buscam resolver a contenda por teste moral do caráter dos homens. No conto machadiano, o anjo decaído – sentindo-se humilhado com o “papel avulso” que exercia e insatisfeito com a falta de organização de sua atividade – resolvera fundar sua própria igreja.
Como resultado, o apelo recém-institucionalizado do capeta aos vícios e fraquezas humanas arrebatou todas as regiões da Terra. Todavia, cada vez mais frequentemente, os fiéis do demônio praticavam, dissimuladamente, as virtudes dos céus, em clara violação aos cânones diabólicos.
Incendido de ódio e inconformismo, foi o anjo degradado ter com o Senhor, que o fitou paternalmente e arrematou: “– Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana”.
Por sermos imperfeitos e termos que lidar com incertezas e situações complexas, é natural e esperado que tenhamos várias perspectivas e atitudes em face das múltiplas situações que vivenciamos. Essa diversidade de visões e posturas, do ponto de vista político, traduz-se no princípio do pluralismo. Este pode ser entendido como direito fundamental à diferença e consiste na liberdade para manifestar-se e portar-se como melhor lhe aprouver, ainda que não seja da forma como a maioria (ou a minoria) costuma fazer e ainda que não se trate de comportamento socialmente aprovado. Tal liberdade inclui manifestações escritas, visuais e verbais que soem ofensivas para a maioria ou para minorias, desde que não incorram em delitos de difamação, calúnia ou injúria.
Ortega y Gasset, no início do século XIX, apontou que o Liberalismo (leia-se, a democracia liberal) era a suprema generosidade, na medida em que reconhece a existência de uma minoria dissidente, protege sua existência e garante sua liberdade de expressão, evitando que a vontade da maioria esmague a minoria e se torne absoluta.
Ironicamente, algumas das mais latentes ameaças atuais à democracia, à liberdade de expressão e ao pluralismo emergem justamente de grupos, intelectuais e políticos que se intitulam defensores do regime democrático e de minorias.
Entendemos que o sufocamento de manifestações divergentes não desrespeita apenas liberdades, preceitos constitucionais e legais, mas desconsidera e menoscaba, sobretudo, a liberdade humana de ser diferente. Parece-nos necessário, mais do que nunca, garantir que a liberdade de expressão prevaleça no jornalismo, nas redes sociais, nas universidades e em todos os ambientes sociais.
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