João Pessoa, 22 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Por que é que os homens se deslocam em vez de ficarem quietos?”, indaga Bruce Chatwin, em sua obra Anatomia da errância. O padre português José Tolentino Mendonça procura responder, em O tesouro escondido, livro que propõe uma busca pelo universo interior das pessoas e ensaia um pequenino roteiro pela espiritualidade.
Na sua perspectiva de pensador cristão, chama a atenção do leitor para o caráter aberto e fronteiriço da experiência da viagem, na medida em que ela possibilita um olhar novo sobre as coisas. Diz ele, a certa altura, que a viagem “é capaz de introduzir na nossa vida e nos seus quadros, na sua organização, elementos sempre inéditos que podem operar aquela recontextualização radical que, em vocabulário cristão, chamamos de conversão”.
Perfeito.
Em certo sentido, viajar é converter-se, uma vez que a conversão nos lança na maravilhosa paisagem de um novo mundo. Numa nova ética, inaugurando, por assim dizer, novos hábitos, novos sonhos, nova percepção.
Viajar é viver!
E a viagem, seja no plano exterior, de cidade a cidade e de país a país, demarcada pela aventura dos deslocamentos; seja no plano interior, por dentro da cartografia intangível do coração ou pelos mágicos campos da memória, é nos darmos o acesso, isto é, a intimidade de novos horizontes, de novos saberes, de novos sabores e de novas narrativas, porque narrar também é viver.
Viajar é viver, repito!
Não passa um mês, e já me move o desejo de rever as escarpas pedregosas de minha Comarca, quer no apelo físico e geográfico da realidade, quer na bruma alada do sonho que perpassa as lagunas da memória, com seu insólito poder de transformar as coisas mortas em coisas vivas. Viajar por aqueles sítios conhecidos de antigamente a capturar, na órbita da paisagem, opaca e seca, as metáforas de luz trazidas pelo vento para habitar as grutas escondidas nos lajedos da alma e da saudade.
Voltar, mais uma vez e sempre, à sombra esférica e cósmica do Tamarindo, na escuta silenciosa da voz de Augusto, ecoando os eternos gemidos de dor das árvores da serra e da várzea lacerada pela luxúria do sol que fecunda as águas e a terra.
Desde o “Monólogo de uma sombra” até “Mistérios de um fósforo”, passando pelos reinos sombrios e surreais de “As cismas do destino”, “Os doentes”, “Gemidos de arte” e “Queixas noturnas”, faço aquela viagem interior, pousando ao abrigo de cada estrofe, para viver o merecido repouso estético e a renascente e palpitante inquietação existencial.
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OPINIÃO - 22/11/2024