João Pessoa, 24 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O rei cantor do Brasil, Roberto Carlos, passa longe da minha lista de artistas favoritos, mas provavelmente é da sua obra que estão memorizadas em minha mente mais músicas. Sei inúmeras delas de cor e salteado e desde cedo já escutava como conselho e em acordes que “É Preciso Saber Viver”.
Nunca cheguei perto do cantor, nem fui a nenhum dos seus shows, porém ele faz parte da minha vida desde menina. Quando a falta de sono se fazia, talvez, o ‘Acalanto’ de “é tão tarde, a manhã já vem, todos dormem, a noite também”, me ajudasse a adormecer.
Roberto Carlos não faz nem ideia da minha existência, entretanto, sinto-me íntima dele. Não por ser uma celebridade com a vida exposta, mas por pertencer a casa dos meus pais. Ele é como um membro da família e sempre esteve presente no início das manhãs de sábado, antes do ‘Café da Manhã’, nos churrascos de domingo e nas viagens de carro, mesmo que não fossem pelas ‘Curvas da Estrada de Santos’.
Na semana do Natal, lá estava novamente, estrelando na nossa sala e nos saudando mais uma vez com seu marcante cumprimento: “Que prazer rever vocês”. Mal sabe ele que o rever e ouvi-lo constantemente sempre foi liturgia no nosso lar, em datas comemorativas ou não.
Às vezes, não era ele quem que tocava o violão ou cantava suas canções que atravessavam a porta do meu quarto fechado de adolescente. O cantarolar de “tudo que aqui Ele deixou, não passou e vai sempre existir” recebia a voz do meu pai e chegavam em ondas sonoras aos meus ouvidos, mesmo que eu não quisesse.
Meu pai, que todos conhecem por Sérgio, mas que também carrega Carlos no segundo nome, é um dos inúmeros fãs do rei. Talvez não seja o mais aficionado, pois não é daqueles que procura os mínimos ‘Detalhes’ da vida do ídolo, nem o maior colecionador dos seus discos e CDs.
Meu pai, um “homem calado e até desconfiado”, gosta mesmo é de sentir as ‘Emoções’ que apenas as músicas de Roberto lhe proporcionam. Por isso mesmo, as aprecia a exaustão, por horas, repetitivas vezes.
Mais de uma vez ele me pediu para prestar atenção na letra de ‘Portão’. A música fala do cachorro que sorri latindo para o dono e, para ele, a frase é pura poesia. Para mim também, mas por teimosia, neguei várias vezes.
Eu, muito nova, não entendia a razão de tanta admiração e excesso de Roberto, mesmo que as melodias que entorpeciam meu pai não fossem imorais, ilegais ou engordassem. Hoje, reconheço que a lírica de tom romântico e palavras profundas o preenchem como nenhuma droga seria capaz, nem mesmo as cervejas que lhe acompanham no seu degustar musical.
Roberto faz tão parte dele que é difícil para mim desassociá-los, seja pela semelhança dos cabelos, pela preferência em comum da cor azul ou pelos gestos parecidos na hora de tocar. Meu pai – “cabeça de homem, mas coração de menino” – canta Roberto e dá aquela mexidinha no ombro igual ao rei.
Uma vez ‘Meu Querido, meu Velho, meu Amigo’, após mais uma das minhas críticas por sua demasiada estima pelo ícone da Jovem Guarda, profetizou: “Quando eu morrer, você vai escutá-lo e se lembrará de mim”. Não precisou chegar a tanto, eu já me recordo sempre, com os dois vivíssimos.
Eu vejo Roberto Carlos e enxergo Sérgio Carlos. As letras com tom sentimental e coloquialismo contemporâneo retratam muitos dos românticos desse país. Meu pai é um deles e eu também.
Meu pai, mesmo não sendo profissional do meio artístico, é um excelente cantor. Declama com ritmo, vida e de forma visceral. Eu que herdei dele a personalidade sentimental, não segurei as lágrimas em meu casamento quando ele subiu ao palco e entoou mais uma vez como é grande seu amor por mim e por nossa família.
Agora, já na minha própria casa e morando a centenas de quilômetros dos meus pais, mesmo sem ser fã de Roberto Carlos, só tenho a agradecer ao cantor de maior sucesso e popularidade do Brasil. Através de suas músicas, com frases melódicas, simples e especiais, eu consigo me conectar com meu pai, sem importar a distância física ou o gosto musical.
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