João Pessoa, 29 de julho de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Disse a Larinha que Gabi estava com saudades dela e que se sentia muito sozinha no fundo do mar. O reencontro me pareceu um pequenino milagre. Os olhinhos buliçosos de Larinha espichavam uma ternura comovida, uma mistura de felicidade e encanto. Gabi, como sempre, no seu silêncio doce e na sua amorosa indiferença, certamente agradecia o amorzinho dedicado pelo miúdo coração de uma criança, inocente e sábia, como qualquer outra que vive por aí.
De perto, ou na distância medida, eu, qual um personagem de coro no teatro grego, mais que olhar, apalpava e escutava a melodia do mistério que se inscreve na pauta do mais imperceptível cotidiano. Como um narrador que ama seus personagens, também me sentia feliz com o retorno de Gabi e, momentaneamente, com o delicioso impacto de Gabi perante Larinha, de Larinha perante Gabi.
Gosto de crianças, gosto de bichos. Os pequeninos e os animais, dentre eles, os com menos de sete anos, os cavalos, as novilhas, as corujas, os pássaros e as tartarugas ocupam lugar especial na minha galeria humana e zoológica. Gatos, cachorros, macacos devem passar ao largo, pois não nutro qualquer simpatia por eles e muito menos pela presença incômoda, quando se achegam perto de mim. Gatos, então, nem falar, mesmo sabendo de certa lírica literatura que existe para louvá-los, como se louva a beleza de um príncipe, acima de todas as espécies.
Mas, não quero falar de gatos e que tais. Quero falar de Gabi. De Gabi e de Larinha, ou, de certo modo, de mim mesmo, afeito ao chamado espetacular e ao solene sabor das coisas inúteis.
O melhor de Gabi é a sua límpida pedagogia. O melhor de Larinha é a sua lúdica didática. Se estão sozinhas me ensinam; se estão juntas me educam. Gabi, com a perfeição das criaturas que não têm pressa; com a estranha convicção de que alcança o Himalaia nos seus passos milimétricos que sabem vencer toda distância e transcender qualquer obstáculo. Larinha, por sua vez, com suas oníricas narrativas tiradas da imaginação; com a incansável sapiência do faz de conta, com os segredos mágicos desvendados no poema das mais inventivas brincadeiras.
Que bom: Gabi voltou! Estamos muito felizes. Gabi, Larinha e eu.
A sombra do pé de abacate (foto) se renova, agora, para receber Gabi. Meus pássaros, principalmente, Dante, Augusto, Baudelaire e os irmãos Goncourt, como que afinam seus cantos de homenagem ao silêncio musical que envolve a vida de Gabi, seu modo de ser, seu comportamento dentro do mundo e o insólito mundo de seus sonhos trazidos do mar para a terra, do fundo espesso das águas oceânicas para a claridade e o fervor do coração de Larinha.
Fosse um poeta, escreveria uma ode para Gabi, exaltando sobretudo o império suave de seus múltiplos sentidos, a solerte gramática que estabelece no câmbio invisível com as coisas em redor, as lições que me dá com sua renovável cartilha dos melhores exemplos, seu corpo duro e simétrico, sua sólida epiderme em alto relevo, sua autonomia sem soberba. Não há melhor companhia do que Gabi; não há maior alegria do que Larinha.
Aqui, Larinha está à minha frente. A inocência possui os sítios indevassáveis da sabedoria, e a ingenuidade está mais perto de Deus, assim como Deus está mais perto dos bichos. A vida vivida, de certa maneira, já me estragou, com suas ferrugens e venenos incontornáveis. Ainda bem, no entanto, que não perdi de todo a virtualidade de gozar o embevecimento e de sentir o júbilo diante de ocorrências tão simples como essa: Gabi voltou!
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OPINIÃO - 22/11/2024