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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Por conta desses poetas

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publicado em 04/08/2020 ás 07h00
atualizado em 03/08/2020 ás 19h39

As palavras de Ariano Suassuna ainda circulam por aí. Numa entrevista, ao jornalista Eric Nepomuceno, na qual lhe pergunta se ele acredita em Deus. Responde afirmativamente, e aproveita para indagar sobre o sentido da vida. Declama, então, o poema de Leandro Gomes de Barros, “O mal e o sofrimento.” em que o autor metaforiza uma conversa com Deus, onde lhe pergunta sobre os sofrimentos humanos e sobre as nossas incompreensíveis diferenças. Ao invés de respostas, embota ainda mais suas incertezas: “Por que existem uns felizes, E outros que sofrem tanto? Nascemos do mesmo jeito, moramos no mesmo canto. Quem foi temperar o choro, E acabou salgando o pranto?”

Imagino que só a singularíssima pessoa de Ariano, associada à sua temática teimosamente voltada para as brasilidades, iria buscar, em um poeta de verve popular, inspiração para responder sobre Deus, e não em filósofos que lhes eram tão familiares. Sua particular inspiração taperoaense, justifica, em parte, a escolha. No mais, o tamanho do poeta, para ele que centrou enfoque nas raízes da nossa cultura, ajuda-nos também.

A escolha recaiu sobre um poeta paraibano, nascido no sítio melancia, município de Pombal, em 1865. Leandro Gomes era um cantador repentista, que pelo desembaraço poético e capacidade de se auto empreender, situa-se na origem da nossa literatura de cordel. Fez, do Nordeste, um grande roçado por onde plantava versos, depois de fundar uma pequena gráfica, lá pelos idos de 1906, cuidando, ele mesmo, da publicação e distribuição da sua obra. Em Leandro, Suassuna também encontrou o universo dramático para a construção do Auto da Compadecida. As obras, O Cavalo que Defecava Dinheiro e O Dinheiro (O Testamento do Cachorro), de Leandro, e O Castigo da Soberba, recolhido por Leonardo Mota junto ao cantador Anselmo Vieira.

Não sou eu. Foi Carlos Drummond de Andrade quem, sem desmerecer o príncipe dos poetas brasileiros, Olavo Bilac, na sua crônica do Jornal do Brasil, em 1976, afirmou: “ Não foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro. […] Leandro foi o grande consolador e animador de seus compatrícios, aos quais servia sonho e sátira, passando em revista acontecimentos fabulosos e cenas do dia a dia, falando-lhes tanto do boi misterioso, filho da vaca feiticeira, que não era outro senão o demo, como do real e presente Antônio Silvino, êmulo de Lampião”.

Festejado por Carlos, aquele do amor telúrico, por onde a noite passou, Leandro já se define. E, por conta desses poetas, eu também gostaria de conversar com Deus. Perguntar-lhe como está Leandro, Ariano, Gonzaga, Sivuca e Dominguinhos. Pediria notícia dos Batistas; e se o Pinto que subiu, já chegou. Se conheceu o outro Pinto, o do Monteiro. Perguntaria, também, se lá no céu tem algum lugar para mim, homem cheio de engano, de choro temperado e coração sangrando

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