João Pessoa, 09 de agosto de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Peço licença para exprimir algumas impressões de cunho particular. Assim procedo por entender que podem invocar sentimentos similares ou reflexões análogas no leitor.
Por ocasião do dia dos pais, visitam-me memórias do meu pai. Do profissional com pés deformados e dedos talhados como mármore, pelo uso religioso do sapato de bico fino italiano. As canelas, desguarnecidas de fios até onde alcançava a meia preta 3/4.
Seu peito, duas colinas que eu transmontava durante a curta sesta, com uma frota de pontuais carrinhos de ferro. Os tufos de cabelo do tórax, conveniente floresta e cenário dos mais inusitados enredos urdidos pela minha imaginação. Em que pese o incômodo, jamais me sonegou o conforto da sua respiração e a candura do seu olhar.
Nos finais de semana, ignorados pelo mundo, entretinham-nos o Ranger Tex e seu cavalo Dinamite. Nas férias, incumbia-me resumos de romances (“O Sineiro”, de Edgard Wallace, entre outros) tarefas que, a jusante, encorajaram-me a exercitar a escrita.
Quando olho para o meu filho, sou meu pai me admirando. Quando abraço o meu filho, sou meu pai me acolhendo. Quando brinco com meu filho, sou meu pai me descobrindo.
Fiel seguidor de Dale Carnegie. Brilhante e experimentado orador. Eloquente até no silêncio. No cotidiano, um homem lacônico, de hábitos comedidos e estilo frugal. Estoico, parece evitar distrações tão caras a nós terráqueos, como cinema, música, sushi, chocolate…
Como empreendedor, apraz-lhe fugir de feriados no Ceará para trabalhar na Paraíba e vice-versa. Acerta o alvo que ninguém enxerga, como é próprio dos visionários.
Na sua maturidade, conserva olhar contemplativo, a regar plantas e pensar na lógica aristotélica. Filosofa e alimenta galos-de-campina que frequentam sua varanda (tão ventrudos que ameaçam não voar).
No seu silêncio, aceitação e tolerância. Nas atitudes, o apoio tão incondicional que requer cautela, mas, sobretudo, inspira responsabilidade. Um motivador tão abnegado que enxerga genialidade e excelência nos mais comezinhos lampejos intelectuais que eu ouse ensaiar. Tamanho é o encorajamento, que sua opinião deve ser dosada, contemporizada, cotejada com o espírito crítico e detalhista da minha mãe, sob pena de eu me deixar enganar pelo excesso de corujismo. Meu eterno e incondicional incentivador.
Quantas demandas pueris, mimos e alfenins lhe apresentei, apenas para ser recebido com paciente, amorosa e cândida acolhida e, ao cabo, emergir altivo, aliviado e mais confiante.
O amor de Telêmaco pelo herói Ulisses. Da Bíblia, o amor do filho pródigo pelo seu pai. O enlutado amor de Hamlet pelo pai monarca. O meu amor pelo meu filho. Procurei na literatura e na memória um paradigma, uma inspiração. Mas a vida, eu descobri, é muito complexa e talvez… talvez me faltem inteligência e imaginação para decifrar essa pletora de sentimentos que se avultam com a simples menção do seu nome, tamanho é o meu amor e a minha admiração.
Rogo a Deus, com egoísmo de filho, que preserve meu pai comigo, livre-o das mazelas e ilumine o seu caminho. A todos os que são ou foram abençoados como eu, um feliz dia dos pais.
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