João Pessoa, 01 de setembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Acordo, faço minhas atividades matinais e me vejo pronta para digladiar mais uma vez. Não importa quanto esteja preparada, focada e fortalecida, a resistência vai me atacar. Tento ser guerreira, sigo em frente, luto incansavelmente e se ao final do dia eu avaliar que venci, com certeza esse foi um dia bom. Vou dormir com a sensação de dever cumprido, mas sem esquecer que amanhã haverá uma nova batalha contra o mesmo oponente, na mesma guerra, cujo objetivo é o mesmo: resistir a resistência e fazer o meu trabalho.
Esse é o cenário ideal, o qual gostaria de viver diariamente desde que li A Guerra da Arte, de Steven Pressfield, no entanto, a verdade é que a resistência já me derrotou inúmeras vezes mais do que eu a ela, mesmo após ter conhecimento de sua existência como minha adversária real.
A resistência, personagem principal do livro e vilã de nossas vidas, é tudo aquilo que nos leva a sucumbir o nosso maior sonho no sentido profissional ou pessoal. Ela “é uma força de repulsão, é negativa. Seu objetivo é nos afastar, distrair, nos impedir de fazer nosso trabalho”. Por definição, a resistência é a autossabotagem.
O autor, que na verdade é um romancista aclamado, trata na obra sobre a guerra interna que enfrentou para fazer o que mais almejava e sentia ser seu dom nesta vida: escrever. Ele afirma no livro que a resistência é tudo aquilo que atua contra a busca de seguir uma vocação, iniciar um empreendimento ou evoluir para um patamar moral ético ou espiritual mais alto.
Segundo o mesmo, as atividades que mais evocam resistência são: a busca por trabalhos ligados à arte; o lançamento de uma empresa; o início de uma dieta; programas de crescimento espiritual; atividades físicas; cursos destinados a superar vícios; educação de qualquer espécie; atos de coragem, ética, moral ou política; atividade filantrópicas e decisões como casar ou ter filhos.
Em A Guerra da Arte, Pressfield dá vários exemplos de como a resistência atua. Neste espaço, eu dou os do meu dia para escrever esse único texto.
Hoje despertei disposta a confrontar a resistência que tem me vencido há algumas semanas e me impedido de entregar a coluna semanal aqui no MaisPB. Às 10h estava com minha escrivaninha arrumada e com o computador ligado, pronta para iniciar a dança da digitação. Antes coloquei meu celular no modo avião, meu calcanhar de Aquiles na distração. O objetivo inicial era escrever ao menos uma hora seguida.
Nesse meio tempo, a resistência me lembrava da roupa que precisava colocar para lavar, da cachorra que não parava de latir, da vontade de tomar um copo d’água, mesmo sem estar com sede.
Nesse intervalo curto, eu me questionei por que estava discorrendo sobre esse tema. A resistência a todo momento cochichava no meu ouvido que o assunto não é interessante, que não tinha propriedade para escrever sobre ele (o tema) ou sobre ela (a resistência), sem falar que, as frases que eu redigia não eram nada além de um conjunto de palavras fracas que ninguém gostaria de ler.
Apesar da força da resistência, eu perseverei. O primeiro parágrafo eu reescrevi quatro vezes, o que me demandou 45 minutos da primeira hora proposta. Mas não importa, o mais valido é que eu resisti. Só levantei da cadeira uma hora e meia depois que havia sentado e com intervalo de 15 minutos para retomar à minha atividade.
Nas palavras de Pressfield, o quanto produzi não é tão relevante. O conteúdo é bom? Nem sequer devo pensar nisso. Tudo que conta é que para essa sessão de trabalho, eu superei a resistência. E sim, para mim é uma grande vitória.
O escritor é taxativo ao classificar a resistência como a nossa maior inimiga. Segundo ele, a força que nos faz parar e cessa nosso progresso “surge do nosso interior, tem geração própria e perpetua-se por si mesma”. A resistência “está sempre mentindo e enganando”. Ela é implacável, inflexível, incansável. “A resistência lhe dirá qualquer coisa para impedi-lo de fazer seu trabalho.”
Pressfield leva a resistência tão a sério, que ele a denomina como um mal a ser combatido energicamente e interruptamente, “pois nos impede de alcançar a vida que Deus planejou para nós ao dotar cada ser humano de seu próprio e único gênio criativo”.
Ele ressalta que o medo surgirá e atuará como resistência, mas devemos usá-lo deixando que ele nos guie para nosso dom e aptidão. Segundo o escritor, existe um princípio básico: “quanto mais importante uma vocação ou ação for para a evolução de nossa alma, mais resistência sentiremos em persegui-la”. Ele ainda completa afirmando que se nosso sonho ou objetivo não significasse nada, não haveria resistência alguma.
O livro além de ser um manual para identificar e combater a resistência, ensina como ser um profissional, seja o seu trabalho remunerado ou não. Nele, Pressfield recorre a filosofia ocidental de Platão e oriental do Bhagavad-Gita para dar voz e atestar sua ideias e teorias.
A partir de princípios filosóficos ele diferencia um amador de um profissional e isso independe da profissão. “O amador joga por diversão. O profissional joga para valer. Para o amador o jogo é um passatempo, para o profissional é sua vocação. O amador joga em tempo parcial. O profissional, em tempo integral”. Ele acrescenta que o “profissional ama tanto sua vocação que dedica a sua vida. Compromete-se integramente”.
Levando para o lado da escrita, Pressifield revela o segredo conhecido pelos escritores e desconhecido pelos aspirantes a escritor. “O difícil não é escrever. O difícil é sentar-se para escrever” e arrebata: “o que nos impede de sentar para escrever é a resistência”.
A lógica de Pressifield é simples, se você se senta para escrever um dia e no outro não, você é um amador. Se você pinta três quadros em uma tarde e passa o resto da semana sem pintar, você é um amador. Se você faz um trabalho voluntário uma vez por ano, você é um amador. O que ele quer nos instruir é a ser um profissional, a ter constância e a vencer diariamente a resistência.
O livro é muito rico e caro em informações, eu apenas dei luz a algumas de suas teses, mas se você se interessou, aconselho a ler A Guerra da Arte ou ao menos a assistir ao vídeo, disponível no Youtube, da professora e filósofa Lúcia Helena que destrincha brilhantemente essa obra.
Agora são 17h10 e estou perto de finalizar esse texto. Quase sete horas para escrevê-lo (com alguns intervalos), bastante tempo, mas não importa. Hoje eu venci a resistência. Hoje foi um dia bom. Amanhã a luta será a mesma e preciso estar com minhas armas em punho, necessito ficar alerta ao inimigo e, quem sabe assim, derrotá-lo novamente.
Por fim, deixo um parágrafo do livro que considero inspirador a você que deseja se tornar um profissional e seguir sua vocação. “Olhe no fundo seu coração. A menos que eu seja louco, neste mesmo instante uma vozinha fraca está sussurrando, dizendo-lhe, como já fez milhares de vezes, qual é a vocação que é sua e apenas sua. Você sabe. Ninguém tem que lhe dizer.”
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