João Pessoa, 19 de setembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Parece mais uma viagem comum, como todas as outras. As malas já estão prontas, os documentos foram verificados e coloquei dois alarmes para me despertar de madrugada, caso um falhe ou seja vencido pelo meu sono.
Já na saída de casa percebo as diferenças e adaptações necessárias. Tenho dificuldade para colocar a máscara N95 que meu esposo fez questão que usássemos para tentarmos nos sentir minimamente protegidos. Ela é desconfortável e sei que não me deixará esquecer em nenhum momento o que vivenciamos.
O motorista do Uber que nos recebe, também está com sua proteção, escondendo-lhe o queixo, boca e nariz e nos leva até o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, com os vidros do carro abaixados. Em situações cotidianas, eu pediria para ele subir as janelas e ligar o ar-condicionado. No entanto, é um alívio ter o ar circulando livremente dentro do transporte. Algo que não iria se repetir nas próximas horas dentro do avião.
Na chegada ao aeroporto tudo semelha como de costume, não fosse a obrigatoriedade das máscaras. O saguão do check-in tem uma fila razoável e pareço ser a única a respeitar os adesivos colados no chão indicando a distância que devemos ficar dos demais passageiros.
A sala de embarque está bem mais repleta do que eu esperava. A mudança que consigo notar é o bloqueio de algumas cadeiras na tentativa de que as pessoas se mantenham longe uma das outras, mas logo ao entrar no avião julgo a medida patética, já que os passageiros estavam ali se acomodando em seus assentos, lado a lado, dividindo aquele espaço com os míseros centímetros de distância já conhecidos e odiados dos aviões.
Dentro da aeronave a alteração imposta foi a supressão dos biscoitinhos que eram servidos com café, refrigerante ou suco. A razão atestada é a pandemia, obviamente, mas os assentos seguem todos sendo vendidos normalmente e nesse voo, ao que meus olhos conseguiram enxergar, nenhuma poltrona ficou vazia.
A sensação de estar embarcando na pandemia é tão literal, que antes de decolar a oração que já fiz repetitivas vezes ganha novos pedidos. Além de rezar por um voo sem turbulência e para o avião se manter firme no céu, peço para que o coronavírus não esteja viajando dentro de ninguém e que todos desembarquem da mesma maneira que deveriam estar ao sair de casa, saudáveis.
O voo é um sucesso e, ao menos, meus dois primeiros pedidos foram atendidos. O terceiro é impossível afirmar, mas, já há cinco dias pós viagem, sigo sem nenhum sintoma da doença mais temida de 2020.
Na saída da aeronave uma grata surpresa. O novo protocolo das companhias aéreas, com o objetivo de evitar aglomeração, pede que o desembarque seja feito pelas fileiras iniciais e assim sucessivamente até a última, e como por milagre, ou por medo, ele é respeitado majoritariamente.
Chego em solo pessoense, impregnada de receios, lembrando que preferia evitar essa viagem, porém, a imprevisão de uma vacina que nos proteja da covid-19 ou que nos cure do nosso egoísmo, fez com que meu esposo me convencesse a nos submetermos ao risco de um voo lotado.
Meu pai, como de costume, já está a nossa espera. Instintivamente ele me beija e eu o repreendo. Chego em casa e vejo nos olhos da minha mãe que ela mal conseguem esconder a saudade e ansiedade pelo toque. Pulamos pela primeira vez essa etapa tão esperada e desejada. Corro para o banheiro, tomo banho, visto uma roupa limpa, volto para vê-la e selo nossas esperanças de dias mais seguros e “normais” com um demorado abraço.
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