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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

A primeira estante

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publicado em 24/09/2020 ás 08h15

O tempo passa mas nos deixa lembranças indeléveis. Algumas coisas a gente, volta e meia, recorda. Parodiando aquele antigo comercial de um sutiã, a primeira estante (foto) a gente nunca esquece. Isso mesmo, o móvel que serviu para acomodar os livros iniciais, adquiridos ainda nos  anos da adolescência.

A falta de dinheiro aliada à criatividade sempre dava bons resultados. Pegavam-se alguns tijolos furados e outras tantas tábuas que eram sobrepostas e formavam-se as prateleiras. Pronto. Ali estava o templo sagrado das coleções dos clássicos juvenis, livros de bolsos e muitos gibis. Quando já não dispunha de espaço, os livrinhos de faroeste e de espionagem eram de logo descartados, indo compor o acervo de algum sebo. As revistas em quadrinhos eventualmente emprestadas aos colegas nunca foram devolvidas. Mas, novos habitantes vinham fazer morada naquele arremedo de estante, e o leitor juvenil pouco a pouco ia formando sua biblioteca.

As primitivas estantes improvisadas logo cederam lugar para aquelas de sete prateiras fabricadas em aço, ainda hoje facilmente encontradas no comércio. Àquela altura, não só livros ocupavam seus espaços, mas também os discos de vinil, conhecidos por long play ou LP – aliás, os bolachões estão de volta ao mercado -, e música e literatura conviviam harmoniosamente.

Qual roupa de grife, qual automóvel novo, qual nada! O meu valioso tesouro se constituía naquele móvel cheio daqueles objetos tão queridos que, paulatinamente, iam se aglutinando e ampliando a biblioteca que tanto ansiava e que ainda hoje provoca a indagação de algumas pessoas diante dela: você já leu todos esses livros e já escutou todos esses discos?

De fato, nunca se lê todos os livros de uma biblioteca, muitos ficam enfileirados aguardando o momento oportuno, outros são deixados de lado e alguns servem para consulta rápida. Mas a estante é fiel a todos e tal qual mãe protetora, os acolhe e os abriga sem restrições.

Ainda hoje vou na pisada do filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1466-1536) que vaticinou solene: “Quando tenho algum dinheiro, compro livros. Se ainda me sobrar algum, compro roupas e comida”. E as minhas estantes continuam de braços abertos, ou melhor, de prateleiras abertas para o carinhoso acolhimento.

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