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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Crônica dos 59

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publicado em 25/09/2020 ás 06h53
atualizado em 25/09/2020 ás 12h05

Aos cinquenta e nove anos, a vida já tem desfilado quase todas as alegrias e frustrações das que marcam o ser humano no tempo. No mais, tudo são repetições, modelagens novas de rios velhos, carrancas sisudas ou frívolas de quem sabe que a folha que ziguezagueia de uma margem à outra do rio é a mesma que tenta escapar do remanso tortuoso de todos os dias.

Por isso, esse quase sessentão não ruboriza mais a sua face nem estranha qualquer disfarce, pois sabe que todos os rostos emprestam à verdade algumas maquiagens: umas tão óbvias e coloridas, que, sujeitas ao sopro de um vento qualquer, por mais tênue e pífio que seja, ainda assim expõe as fístulas da carne viva; outras, tão sutis e tão singelas como as rugas de quem nunca se pintou um dia, ainda assim são espelhos oblíquos e ardilosos.

Ter cinquenta e nove anos é como ter qualquer idade depois dos cinquenta. Já não há mais tempo para reforçar nossos defeitos, muito menos para adquirirmos novas inimizades. Sim, dos cinquenta anos em diante, a vida, ainda maviosa e para além de balzaquiana, bate-nos à porta e nos lembra de que ela, ainda que envolta em um pêndulo para a morte pendido, é a mais intensa e pura solidão, ou, se quisermos ser mais otimistas, é o ponto mediano das reticências premido pelas únicas certezas do nascer e do morrer, e, dentre essas verdades, nós e nossas inconsequências — nus e sozinhos — sabemos: nossas mais sinceras verdades quase sempre se escondem até de nós mesmos por todo o tempo da existência.

Aos cinquenta e nove anos, somos este ponto: algo agarrado naquele pêndulo aquebrantado que, ao invés de atirar-se igualmente entre os extremos da vida, teima, porque, inevitável e tinhoso, inclina-se para o que está mais próximo do fim e das finalidades.

Ter cinquenta e nove anos não é fácil, não. Você já é visto de soslaio pela juventude. Logo mais, para ela, tornar-se-á completamente invisível. Demais disso, conquanto, hoje, a lei faça diferença entre o sessentão e o de oitenta anos, ainda assim o plano de saúde só contará os anos, não a existência; o mercado, porque somos presas fáceis desse deus glutão e impiedoso, só enxergará o possível lucro fácil que pode arrancar da senilidade com sofreguidão; e o amor — ah! o amor —, esse pomo da ilusão, sempre virá, se vier, encastelado em mil interesses, para além do interesse mais ululante do que é o amor, puro ou impuro, afinal, ainda que completamente interesseira, toda forma de amar há, ao menos por um segundo, de valer a pena.

É, ter cinquenta e nove anos é desatino: de vez em quando, um dos nossos amigos de infância fará uma viagem e não voltará mais. E você, ainda com pulso em riste, hirsuto e viril, não se apercebe de que já é mesmo o ponto mediano de uma reticência bem madura. Sim, nessa idade, já não se é mais um broto nem flor. Aos cinquenta e nove anos, a gente é algum fruto em caminho do passamento, pronto, portanto, para uma ceia farta, épica e desinibida para a terra!

Por quê? Porque sabe, sabe e sente e é despiciendo negar que os átimos do seu corpo, pelo sacolejar da vida, vão se soltando, desparafusando-se e, se não houver cuidado, logo, logo, antes que tudo vire pó, terá o queixo despendurado entre as pernas, o pé entre alguns dos cotovelos e alguma unha encravada nascerá, digo, descolará dos dedos, e há de se enfiar entre as orelhas, que crescerão em demasia.

Ter cinquenta e nove anos trará vantagens, todavia ainda há razões para se ter medo, mas é medo brando, porque você sabe que todas as tormentas terminam e germinam outros nasceres. Há, ainda, razão para fugir do ridículo, mas a idiotia é brincadeira de palhaço, porque todos os que riem das nossas estranhezas também já chutaram, nas ruas da vida, penicos ao entardecer. Há, ainda, razão para se ter raiva, porque todas as injustiças sensibilizam a alma de quem sabe a lógica que impera na maldade, mas não há razão para correr do amor, porque qualquer acalanto é doce e benfazejo.

Ter cinquenta e nove anos trará vantagens múltiplas, sim: você se desfaz da cara falsificada de felicidade, porque a felicidade é clara como o amanhecer, cada vez mais límpida e ostensiva; você relativizará todas as terapias e, quem sabe, esquecerá o Rivotril na escrivaninha; você se transformará em adivinho, tipo bruxo velho, que reconhece um calhorda ao primeiro encontro, no espiar nos olhos, no ouvir a voz esgarçada, no apertar a mão, no sentir o pulso tíbio, no titubeio do pensamento…

A vantagem comparativa de se ter cinquenta e nove anos é imensa: se for rico, permite-se gastar a prata sem remorso e dor de cabeça; se não o for, nem adianta querer ser, porque, se conseguir, não haverá desfrute próprio; se for hipócrita, é a vez de assumir-se no mau-caratismo, feliz e deslavado; se for sovina, é tempo de comprar o melhor caixão, perquirindo o melhor preço em vida — somente pelo prazer mesmo de ser avaro; se for amante do amor, há de se dar ao prazer, sem eira nem beira, desavergonhadamente…

Isso mesmo. Que fazer? Ter cinquenta e nove anos é o ápice da breguice, o que justifica parafrasear aquela frase jamais aplicável às nossas mães: ter cinquenta e nove anos é padecer no paraíso. Por isso, eu só quero paz!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB