João Pessoa, 25 de setembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Um poder se estabelece e promete o fim da exploração, numa atitude diametralmente oposta ao poder anterior. O poder constituído fixa regras claras que o distanciam de modo inequívoco do poder que havia antes. Da forma mais declarada possível, o poder atual diz ser inimigo irreconciliável do poder que o antecedeu. Estabelece-se uma igualdade entre o novo poder e a população que o apoia. Todos são iguais. Ninguém é melhor do que o outro ou terá qualquer privilégio. Absolutamente iguais e sem privilégios, eis a lei simples e inteligível.
Aos poucos, porém, alguns se intitulam líderes e começam a se distanciar dos demais, alegando que são os que pensam e que precisam guiar os demais com um estafante trabalho intelectual. A massa aceita, mas dentre os próprios líderes começa a haver discordâncias até que o expurgo do antigo amigo e companheiro leal acontece. De repente, o antigo amigo vira um inimigo ancestral e responsável por todos os males; os projetos execrados do antigo amigo, hoje leproso político, são agora – e sempre foram – da autoria do atual líder, sempre se distanciando cada vez mais da massa, que ainda o acredita um igual. As leis antes fixadas e claras sobre a inimizade com o poder anterior começam a se esgarçar e a mudar. Não falta o propagandista de que cada mudança ocorrida e cada ruptura com relação à lei antes clara sempre foi daquele jeito que está ocorrendo. Mudam-se os fatos, criam-se fatos novos como se fossem antigos, muito antigos. Há os que ingenuamente acreditam e propagam a ideia inocentemente, há a claque paga a repetir os chavões a toda hora, há o propagandista incansável de que o novo governo é a maravilha das maravilhas.
Coisas básicas e essenciais começam a faltar. Os líderes nunca sentem esta falta, estão cada vez melhor, mais fartos, mais gordos, mais prósperos e… com os mesmos hábitos do poder deposto, mas a propaganda é que eles são iguais à massa, que começa a passar necessidades, mesmo se esfalfando de trabalhar. Os críticos são ameaçados, expurgados e, frequentemente, desaparecem. Os líderes começam a falsear os dados e os que vêm de fora ou julgam de fora, apenas veem uma aparência e saem propalando que com o novo poder daquela região tudo mudou, não há mais miséria, só fartura e bem-estar. Acompanhado de um séquito de fidelidade canina, capazes de tudo, os líderes estão cada mais cheios de privilégios, mas continuam propagandeando fartura, igualdade e prosperidade a todos. O medo começa a se instalar, pois as críticas já não são possíveis. Não há igualdade, mas todos devem pensar igual e…
Não, não estou falando do Brasil. Este é um resumo do entrecho de A Revolução dos Bichos, de George Orwell.
O final de A Revolução dos Bichos, de Orwell (foto), é emblemático. Sabemos todos que Orwell escreveu um romance, 1984, e esta fábula moderna, com a intenção de fazer uma crítica pesada ao totalitarismo comunista, mais especificamente ao stalinismo. Este livro de 1945, quando o stalinismo e o sovietismo, após a o final da segunda guerra mundial, entrariam no seu apogeu, pelo fato de ser uma fábula e de menor extensão do que seria 1984, atingiu, na minha concepção, de forma mais contundente o seu objetivo: o comunismo que se erigiu tendo como bandeira a defesa do povo explorado pelos aristocratas russos, acaba se convertendo em culto à personalidade do líder supremo e com sua cúpula distanciando-se cada vez mais do povo que dizia proteger, para se parecer com os antigos exploradores aristocratas.
No livro de Orwell, os porcos, que haviam tomado o poder da granja do sr. Jones e eram liderados pelo porco Napoleão, nome mais do que simbólico, mostram-se felizes por estarem confraternizando com os humanos, seus antigos exploradores, comemorando o fim dos desentendimentos. Para chegar a isto, foi necessário que, sistematicamente, os preceitos antigos contra os exploradores fossem sendo modificados, para se adequar aos privilégios da cúpula comandada por Napoleão, tendo em Bola de Neve, o seu secretário da propaganda, cujo cerne todos conhecem – repitam uma mentira ininterruptamente, por mais que os fatos demonstrem a sua falsidade, pois haverá sempre quem nela acredite, como o cavalo Sansão,
No auge da confraternização, porcos falam tão alto e vociferam no mesmo tom como os humanos, mas não se trata de uma briga, que leve a novas dissensões entre porcos e homens, é uma briga para delimitação do terreno, visto que o poder que se partilha entre eles há um só objetivo: exploração dos incautos. Eles são pares inter pares.
Na confraternização, o que ocasiona a briga é o fato de que o Sr. Pilkington e o porco Napoleão tinham apresentado os dois, ao mesmo tempo, um ás de espadas. A descrição de Orwell não poderia ser mais precisa, concluindo o livro:
“Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”
Escrevo isto pensando na atualidade de Orwell. As brigas entre iguais é apenas para marcar posição e estabelecer de modo claro que iguais mandam, os desiguais obedecem cegamente. Os desentendimentos são apenas pontuais. Não há inimizades, pois haverá sempre alianças espúrias, quando o objetivo é a exploração do resto da população que, fora do jogo de iguais, trabalha como o cavalo Sansão para sustentar Pilkingtons e Napoleões. É ou não é o que temos visto nas alianças mais do que discutíveis entre os partidos?
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