João Pessoa, 05 de outubro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Durante meus estudos havia preocupação em buscar explicações do que considerávamos mistério, unir a fé e a ciência. Vários questionamentos surgiam que a ciência, com o seu conhecimento elaborado, não conseguia explicar, o que de maneira empírica a vivência prática nos mostrava. O imponderável, inatingível, indefinível Deus! Não é possível prever o inquestionável. A religião, assim entendida como crenças, práticas e expressões dos principais grupos humanos ao longo da história, aponta para outras fontes de explicação, a saber: deuses e seres espirituais. Descobri que esta inquietação não era só minha, mas de muitos, e que suscitavam interrogações que vinham dos primórdios – gregos, romanos, chineses, indianos, árabes etc. Constata-se que esses dois temas se entrelaçam e interagem e fazem parte um do outro. Um acontece no plano físico e outro no plano espiritual. Os estudos demonstram que não são dois mundos, coexistem, sem confronto de maneira profunda, ao mesmo tempo científico e místico na área da Física Quântica. Esta junção transparece que o pensamento transcendental é intrínseco na vida do homem.
Para tentar explicar Deus o homem criou uma série de religiões como uma forma de chegar até Ele. O trabalho nesse âmbito teve início com o alemão Friedrich Max Müller (1823-1900), dividido em dois flancos: história das religiões, ramo empírico de pesquisa específica e religiões comparadas, ramo sistemático e teórico de pesquisa a partir de várias culturas religiosas. Os procedimentos didáticos são norteados por metodologias comparativistas europeias, vindas da filologia de línguas indo-europeias e da ciência e filosofia romântica alemã. Segundo Usarski (2014, p. 145): “Em 1873 foi fundada a primeira cátedra em História Geral da Religião na Universidade de Genebra, Suíça. O primeiro Congresso Internacional de Ciência das Religiões aconteceu em Estocolmo, em 1897. Em 1900 teve lugar, em Paris, o Congresso de História das Religiões, assim denominado por excluir dos seus trabalhos a filosofia da religião e a teologia”. Em 1918, foram criadas as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para licenciaturas em Ciência(s) da(s) Religião(ões), aprovadas pelo Parecer nº 12/2018 e pela Resolução nº 5/2018 do Conselho Nacional de Educação. No Brasil, a ciência da religião tem seu início institucional somente em 27 de junho de 1969, através da criação do Colegiado de Ciências das Religiões da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Nas universidades públicas federais os cursos de graduação em Ciências das Religiões e Teologia têm o propósito de desenvolver estudos e investigação sistemática das religiões e suas manifestações.
A UFPB criou o Curso de Graduação em Ciências das Religiões com o objetivo de estudar com profundidade as religiões. Iniciou com pesquisas, disciplinas, um curso de especialização e eventos que surgiram em várias áreas da universidade, tendo forte diálogo com a etnologia. Tive oportunidade de ser professora de didática no curso pertencente ao Centro de Educação da UFPB. Na pós–graduação em Ciências das Religiões a UFPB foi pioneira. O Projeto Político Pedagógico dos cursos de Licenciatura e Bacharelado teve como base científica uma confluência transdisciplinar entre Ciências Sociais (Antropologia e Sociologia), História, Saúde, Educação e Direitos Humanos. A teoria indutora da análise das religiões feita no curso e aprovada pelos Conselhos Superiores da UFPB é a Teoria Geral do Imaginário, de Gilbert Durand, que partiu principalmente de rebatimentos teóricos de Gaston Bachelard, Henry Corbin e Carl Jung. A Licenciatura e o Bacharelado estão fincados nos princípios da liberdade de expressão religiosa, da diversidade religiosa, da pluralidade acadêmica e da transdisciplinaridade. Os conteúdos do curso não questionam a verdade ou a qualidade das religiões, pois todas têm traços comuns embora que as expressões sobre Deus sejam diversas. É este o princípio metateórico que distingue a ciência da fé, da teologia e aproxima das outras ciências humanas e sociais.
Como se constata, a ciência e a fé religiosa vêm ganhando, paulatinamente, seus espaços, e apresentam-se como uma área acadêmica em crescimento. Verifica-se que a fé não existe para suprir lacunas no mundo científico. Um integra o outro. Nesse momento vivo uma aproximação com Deus que chego a sentir Ele dentro de mim, o que me tem feito muito bem. O silêncio, sentimento que nos toma todo tempo a que estamos submetidos nessa pandemia, nos torna reflexivos e a encontrar respostas a questões sanitárias, políticas, ideológicas, econômicas. Constata-se que quando ocorreu a pandemia a medicina, a biologia e a infectologia se uniram para tratar da vida e administrar a tragédia que vivemos, até agora sem solução. Muita coisa já se sabe mas outras permanecem no obscurantismo, aliada a conjuntura retrógada das políticas públicas. Penso que Deus não se imiscui nos feitos causados pela humanidade e ela deve resolver seus problemas com seus recursos. Para isto Ele deu o livre arbítrio. Ele inspira, anima, orienta, consola. E, na ausência de palavras, a fé é a grande ferramenta no diálogo que estabelecemos com Deus neste tempo de coronavirus, o que implica questionar a ciência, sua autonomia e competência. A história nos mostra que isso acontece desde tempos remotos, haja visto os cientistas que sustentaram teses contrárias ao entendimento religioso e que depois tudo foi esclarecido. A terra era plana? O geocentrismo? O heliocentrismo? Teorias confrontaram o pensamento dogmático religioso e o pensamento cientifico, mas um completa o outro, tanto que ciência e fé não são conceitos excludentes.
Para concluir essa minha reflexão lembro as palavras de Dr. Enéas Carneiro (foto) numa palestra em 1999 no encerramento do Curso O eletrocardiograma sobre História do Pensamento Científico. Explicando o macrocosmo, o microcosmo, a biologia e o genoma com argumentações matemáticas, ele justifica a sua crença na existência de Deus. Outro cientista, Albert Einstein, assim diz: “A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”. Acredito que esses questionamentos sempre vão existir até porque a dúvida é a ferramenta da ciência que busca encontrar a verdade e essa não é plena; sempre fica alguma coisa que para a razão terá que ser preenchida. A fé e a ciência coabitam juntas.
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)
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OPINIÃO - 22/11/2024