João Pessoa, 07 de outubro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Inveja boa é admiração. Se é assim, sou um invejoso nato, sobretudo quando penso nessas pessoas, para mim, seres raros, que se dedicam ao ofício de escrever diariamente, inspirados ou não, motivados ou não, tal não importa. Conta mesmo é a constância quase sagrada do mesmo ritual face ao apelo silencioso da página ou da tela. Além de escrever, publicar, expondo-se, sem medo, à perspectiva de múltiplos e variados leitores.
Ato solitário, demarcado por intransferível intimidade, encontro consigo mesmo e com o outro, escrever é a “única profissão na qual ninguém nos considera ridículos se não ganharmos dinheiro”, segundo Jules Renard; uma “guerra sem testemunhas”, no dizer de Osman Lins, ou uma forma de “não morrer de silêncio”, para nosso Políbio Alves.
Aos que se entregam, de corpo e alma, ao convívio obsessivo com as palavras, escrever é mais que uma prática de comunicação excepcional. É um imperativo categórico que se formula no recôndito da subjetividade; uma função ética que modula uma personalidade e define um caráter, alargando, assim, a esfera mágica da criatividade.
Não falo, aqui, dos bissextos, mas dos contumazes, para me valer de uma curiosa classificação de Manuel Bandeira (foto) no que toca à estirpe dos poetas. Poderia ser dos romancistas, dos ensaístas, dos cronistas, dos articulistas, principalmente dos articulistas, que povoam as folhas dos nossos periódicos, abordando assuntos de infinita natureza, sem perder, é claro, o toque de originalidade e de argúcia opinativa que os fazem referência desse ou daquele leitor.
Creio que este padrão não é para todos. Poucos, pouquíssimos, podem atender ao chamado imperioso dessa vocação e exercitá-la com talento. A propósito, a estes não podem faltar o talento nem a vocação. Mais ainda: que o talento e a vocação possam convergir para o mesmo sentido e possam agir simultaneamente na operação sensível e intelectiva de lidar com as palavras, retirando-as da desordem natural da vida para a ordem artificial (ou melhor, artística) do texto.
Ora, não escondo que tenho inveja desses eleitos! Lendo-lhes as páginas inumeráveis, acompanhando-lhes a tessitura das ideias, aprendendo com seus argumentos e descobertas, assimilando o valor de seus conceitos, olhares e reflexões, sinto que não sou quase nada diante desses monstros sagrados e quase tenho vergonha de lidar com o verbo na qualidade de humilde e anônimo escriba provinciano.
Sim: tenho inveja, inveja boa, ou seja, admiração, quando penso nesses felizes contumazes da palavra escrita. Pois sei, por experiência própria, o quanto é duro e doloroso organizar os vocábulos num texto que se preze.
Escrever, pelo menos para mim, nunca foi fácil. Qualquer frase ou qualquer sentença me roubam tanto de energia intelectual que me vem, de imediato, não somente o cansaço pelo esforço desprendido, mas também, o que me dói na alma, a sensação de que não exprimi o que queria, de que o texto poderia ser bem melhor. Por exemplo: este.
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OPINIÃO - 22/11/2024