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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Há duas pessoas em cada Ser

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publicado em 20/10/2020 às 08h12

Minha amiga entrou em desespero. Não era a primeira investida que fizera em suicídio. Mas, dessa vez, tinha certeza de que iria praticá-lo. Ainda estávamos nas cores amarelas de setembro, e ela se debatia contra a ideação implacável. Viu, então, um especialista, um palestrante que andava por ali vociferando sobre a prevenção, sobre a intervenção e os cuidados, para que pudéssemos cuidar dos suicidas. Mandou-lhe uma mensagem desesperada de ajuda. O palestrante disse para ela procurar um psiquiatra. Isso já tenho feito, disse ela. Sou sua colega psicóloga. Silencio…Nenhuma palavra ou orientação. Nada. Ele precisava palestrar, desenvolver teorias e, em gestos ensaiados, fazer de conta que os suicidas lhe interessavam muito. Ela, decepcionada, calou.

Um cidadão foi mostrado em uma reportagem de televisão, tentando se agarrar a fios elétricos e anunciado que queria se matar. O gesto seria consequente a uma traição conjugal. Foi o bastante para ridicularizarem o “corno”. Para desmoralizarem a uma pessoa, debocharam do ser humano, na mais infame interpretação das relações afetivas e suas tensas confusões. Era uma traição. Um sofrimento. Um não saber lidar com o impacto de uma decepção. A morte lhe pareceu a única saída. Por que não o ajudar? Por que não o escutar na confusa dor moral? Nada. Os mesmos que propagavam o setembro amarelo, passado setembro, brincavam de escarnecer o sofrimento de outro suicida.

Minha amiga me ligou e, incontinenti, veio nos ver. Conseguiu resgatar motivos para viver. Vida! O suicida traído foi encontrado morto no outro dia. Morte! Há duas pessoas em cada Ser. Uma linda e maravilhosa nas mídias sociais, outra mesquinha e indiferente longe de câmeras e microfones. Uma que fala de empatia como que falasse de sua ação mais comum: outra, em si, sem o mínimo de compaixão. Não que cada ser possa ser inteiramente bom. Eu não sou. Você não é. Sejamos, ao menos, uma coisa só. Basta ser sincero e desejar profundo, do jeito que nos mandou o profeta (foto)

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