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Jornalista. Ex-repórter do Portal MaisPB e de outros sites de João Pessoa-PB. Pessoense residente em São Paulo. Observadora da vida, gosta de contar histórias em primeira pessoa. Contato: [email protected]

A mulher aprisionada

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publicado em 28/10/2020 ás 12h05
atualizado em 28/10/2020 ás 12h21

Agora, o trabalho só começa depois das 9h, mas ela acorda junto com os primeiros raios de sol, pois já virou hábito. Engana-se ao achar que os anos de privação de sono serão recuperados na terceira idade, com os filhos crescidos e com a aposentadoria batendo na porta. A rotina de madrugar para cumprir todos seus afazeres tomou conta do seu relógio biológico.

Com mais horas livres, suas noites se tornaram longas e, mesmo com os olhos fechados, sua mente a mantém desperta. Essa é a mulher que confunde com insônia o vazio que completa seus dias menos atordoados e que a incomoda antes de dormir.

Ainda cansada, sai da cama e tem a grata felicidade do marido ter preparado o café e lavado os pratos do jantar. Sensibilizada com o ato, agradece a Deus pelo mimo recebido do companheiro a quem – em décadas de matrimônio, com a casa limpa e arrumada -, serve todas as refeições. A exceção, como desta manhã, é suficiente para sentir-se grata e abençoada.

Apressadamente chega ao emprego que nunca foi dos seus sonhos, porém, paga as contas ao fim do mês e, portanto, lhe é motivo aceitável para conservá-lo com afinco desde sua época de solteira. Assim que inicia suas atividades, seus olhos se distanciam do seu ofício e  observam o relógio a cada cinco minutos na esperança de que os ponteiros corram até a hora de voltar para casa para terminar a leitura de mais um romance.

O livro que a entretém no momento e ocupa suas lacunas ociosas é o clássico do século XIX, Orgulho e Preconceito de Jane Austen. Ela vibra com cada decisão corajosa da protagonista Elizabeth Bennet e se inunda de inspiração quando a mocinha ficcional consegue enfrentar a sociedade machista e patriarcal da época.

Em voz alta, ela lê o seu trecho preferido: “Há uma teimosia em relação a mim que nunca pode suportar ter medo da vontade dos outros. Minha coragem sempre aumenta a cada tentativa de me intimidar”. O repete como mantra e almeja que a afirmação se faça valer em sua vida, mas a realidade é que a força para colocar em prática novos projetos se esvai na primeira crítica alheia, principalmente quando vem de uma amiga próxima ou de um familiar.

A mulher que é gigante em sua trajetória, que venceu perdas de parentes queridos, diversidades financeiras, que sustentou com amor, afeto e alimento do corpo e da alma seus quatro filhos, é a mesma que vive aprisionada. Ela se reconhece como fraca e permanece encarcerada nas suas inseguranças e na sua habilidade de se autodepreciar.

Essa é a mulher que vive encurralada no seu casamento mediano, no seu emprego medíocre e na sua “melhor idade” pacata. Até os seus anseios se tornaram médios, por isso, busca fuga e o caminho para sua própria liberdade.

Ela fecha o livro e bebe seu café já completamente frio, lembra que já passou da casa dos 60 e está presa há um bom número de anos nas grades criadas com suas próprias mãos.

As rugas escondem sua alma vívida e repleta de energia. Ela tem pressa, garra e começou a cerrar as algemas que a impedem de ser livre de tudo, de todos e de si. A questão é de tempo, as asas já batem forte e em breve a veremos voar.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB