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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Meu cavalo Baudelaire

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publicado em 28/10/2020 ás 06h05

Rudado, arisco, arredondado, troncadinho; lépido, ligeiro, baixinho, baixeiro… É assim o meu cavalo Baudelaire (foto) , único bem que preservei depois que me desfiz (eu e meus irmãos) da fazenda Sarafim, em inevitável, dolorosa e definitiva transação.

Os vaqueiros, que me ajudavam a tanger o gado na lida de todo dia, achavam o nome descabido, esquisito, fora de propósito, embora comungassem de meu xodó por aquele animalzinho do reino de Deus. E como todo animalzinho do reino de Deus, com qualquer coisa de magico e sagrado.

Pelo jeito esperto, pela faceirice e rapidez com que aprumava o boi para o espetáculo da queda nas festas de vaquejada, dizia Gedeão, cabra bom na derrubada dos novilhos, devia de se chamar “Ventania” ou “Tempestade”. Já Zé de Genésio, amansador de burro brabo, seduzido pelo porte elegante e famoso, costumava dizer: “Fosse meu, Baudelaire seria “Granfino”. Pedro Zalma, que matava jararaca e cascavel com a mão, atento à plasticidade, leveza e brilho da pele, preferia chamá-lo de “Vagalume” ou “Raio de Prata”. Por outro lado, Severino Severiano, vaqueiro sério, severo e sisudo, dado à briga de canário e às rinhas de galo, impressionado com o fogo e o destempero do bicho passarinheiro, sugeria “Corisco” ou Buscapé”.

É claro que eu sabia das raízes e do entorno rurais dessa simples e poética nomenclatura mais apegada ao gosto da terra. Mas não desistia de Baudelaire. Para mim, quase um nominativo motivado. Ora, se as novilhas, em sua variada diversidade, beleza, sensualidade e mistério, tinham por nomes Florbela, Virgínia, Clarice, Adélia, Sílvia, Isadora, Raquel, Gertrude e outros que tais, por que meu cavalo, tesouro inalienável, bem da maior estimação, não poderia se chamar Baudelaire?

Sei que não sou um grande poeta, mas só consigo apalpar o mundo poeticamente. Com meu mestre Manuel Bandeira, aprendi que a poesia está em tudo. De outra parte, a imaginação literária, com suas mágicas tesouras, tem me socorrido na podagem delicada da vida, e, com suas mãos invisíveis e miraculosas, tem me ajudado a ordenhar o leite das coisas. Daí a lógica dessa estranha analogia. Havia, sim, algo de Baudelaire em meu cavalo.

Em meio aos alazões altaneiros, canônicos e protocolares, nos dias de vaquejada ou nas pelejas da apartação, ele era a pura diferença, a ruptura e o choque, na condição do outro ensimesmado, com seu ar meio torto, meio esquerdo, tipo gauche na vida, como diria o poeta, sem contar que seus olhinhos mansos e molhados carregavam todo o spleen do mundo.

O poeta, em França e em sua época, também era tão diferente de seus pares! Rompia com os modelos dominantes na consecução do verso e sinalizava para novas atitudes estéticas; arisco, ousado, surpreendente. Ora, os mesmos traços característicos do meu cavalo. Por isto mesmo nunca abdiquei do nome, e meu cavalo sempre se chamou Baudelaire.

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