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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

O caso do ipsilone

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publicado em 29/10/2020 ás 06h54
atualizado em 29/10/2020 ás 08h12

Dizem que dinheiro não compra felicidade e eu acredito nesse adagio popular, porém sempre fico feliz quando recebo a notícia de que alguma pecúnia reforçará meu orçamento. E foi com a alma leve e a alegria de menino que me dirigi a uma determinada repartição pública para me tornar senhor e possuidor de um dinheiro que me era devido por direito pelo governo. Não era lá grande soma, algo que pudesse provocar inveja ou me transformar num rastaquera; mas era meu e eu estava contente com a possibilidade de recebê-lo.

Levei comigo a documentação solicitada; trajei meu terno de fustão e recendendo a Mistral sai fagueiro ao encontro das cédulas que engordariam a minha carteira. A esposa, serelepe, traçava planos de como gastar a dinheirama: viagens, presentes para a toda a família; renovar o guarda-roupa; trocar o piso da casa e, de quebra, visitar o cirurgião plástico, porque tivera notícia de que os insumos utilizados pelo requisitado senhor do rejuvenescimento estava em promoção: botox e silicone que custavam os olhos da cara agora estavam com preços renovados. Ah, e o carro? Quem sabe poderíamos passar para um modelo mais novo, arrojado. E a lista de desejos não findava. Com meus botões eu calculava todas essas despesas e já estava inclinado à realização dos sonhos da consorte quando uma voz feminina apregoou meu nome:

– Senhor Adhailton, se apresente, por gentileza!

Sentindo que o momento da felicidade estava prestes a acontecer, caminhei até o guiché com passos resolutos, nariz mirando o teto, e me identifiquei. A funcionária sequer olhou meu rosto e mandou sentar-me pedindo meus documentos. Com ar vitorioso passei às suas mãos toda a papelada que comigo trouxera.

– Huum, tem um probleminha, aqui – disse a moça ao examinar os documentos.

Surpreso, indaguei qual era o problema, eis que toda a documentação solicitada estava sobre sua mesa.

– É a sua mãe.

Perplexo, quis saber o que minha mãe, que já partiu dessa para melhor – como ela mesma dizia – poderia ser apontada como um “probleminha”, já que em vida ela sempre foi solução para muito dos nossos reais problemas.

– É que o nome de sua mãe está grafado com ipsilone (foto) e nos nossos dados está com a letra “i”. Portanto, essa divergência impede que o sistema libere o dinheiro para o senhor.

De nada adiantou contrapontear, a moça fechou a carantonha e me disse para procurar um cartório para retificar o patronímico da genitora.

E foi assim que, naquele dia, um simples ipsilone, que até então não figurava como a penúltima letra do alfabeto brasileiro, lançou por terra os nossos sonhos de embolsar um dinheirinho extra.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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