João Pessoa, 30 de outubro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O sinal sonoro do elevador (foto) não funcionou naquele dia. Já não funcionava, mas você só descobre essas coisas na hora “h”. A hora “h” é aquela em que o maldito sinal não poderia falhar. Você liga para a sua esposa, mas não é atendido. Se fosse noutro horário — qualquer outro horário —, seria diferente. Os celulares dos filhos estão desligados, só naquele dia. Você entende que precisaria passar por aquele medo todo. O medo só é bem configurado, quando o cheiro de morte ronda sua cabeça, que está suada e sem tino.
Sim, é um calor crescente, e você sua frio. Está escuro. Com a luz do celular, você tenta encontrar algum botão, chave ou qualquer coisa que possa ser uma salvação, mas aquele não é o seu dia. O dia da morte ou de algo com ela parecido tem dessas coisas: é o somatório das extravagâncias pequeninas ocorridas em um só tempo.
Hoje não é o seu dia. Não, não é. Se fosse, a bateria do seu celular não descarregaria exatamente às 12 horas e 30 minutos… Você entra em pânico, tal qual um bicho acuado pela morte. É uma segunda-feira ainda. Seguramente aquele não é o seu dia. Não. Não é. Se fosse, o elevador não teria parado de funcionar exatamente naquele momento em que você entrou nele, e a porta se fechou.
Você tenta se acalmar, respira fundo, mas a expiração é muito apressada; a inspiração é trêmula. Retira a camisa, o suor escorre da testa e cai no olho. Arde menos do que a sensação de que você vai morrer. Você está só. Sozinho e com a sensação de morte lambendo o seu juízo. Você perde a noção do bom senso, bate com força na porta do elevador, que geme baixinho. Bem que os elevadores deveriam ter o mesmo metal de que são feitos os sinos, assim gritaria ao mundo inteiro aquele toque gasguito em dia de domingo, quando a paróquia anuncia o enterro de alguém nas cidades pequenas.
Lembrar-se de defunto nessa hora é um mau presságio, porque, nesse dia, você está proibido de pensar em coisas bacanas, suaves e lirolindas, afinal, hoje não é o seu dia. Você está preso num elevador. Já bateu à porta por minutos a fio. Ninguém ouve; você chuta o elevador, que olha para você como se fosse uma placa de metal muito fria e mouca. E é. E esse metal sem ouvidos só é resistente aos seus chamados, porque aquele dia não é o seu dia. Não, não é, tanto que tenta convencê-lo a desistir de escandalizar o silêncio que grita dentro daquele espaço minúsculo e atroz.
Você senta-se, cansado. Pretende dormir até que alguém o encontre, talvez ainda com vida, mas, como não é o seu dia, possivelmente, você já estará morto. Você quer tirar as calças, em busca de brisa. Vontade de urinar, mas você ainda tem vida, aguenta. Certamente você vai se sujar também, se não abrirem logo aquela porta, mas você resiste. A vida sabe que tem que subir nos calcanhares, resistir, morder nos calos da morte. Você grita, alto, mais alto. É uma segunda-feira asquerosa. Finalmente, alguém sem pressa no falar anuncia baixinho:
— Tem alguém preso no elevador…
Seus olhos se abrem como se fossem dois faróis, rodas de caminhões cheios de esperança. Os passos do salvador são lentos, mas deveriam ser apressados.
— Espere aí, vou chamar o porteiro.
E você ganha um alento. Você ouve os passos do seu salvador deslizar lentamente pelo espaço infinito da sua espera até a portaria. Seu salvador, que vive em outro mundo, para. Sim, no meio do caminho. Hoje não é o seu dia. O seu salvador retorna lentamente e pergunta: — Quem é que está preso?
Você deve mandar o seu salvador tomar no cu, mas é inteligente… balbucia:
— Chico Leite!
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