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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

O que a vida quer mesmo é vadiar

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publicado em 06/11/2020 ás 09h55

Se, ao nascermos, nós o fizéssemos sem medo da morte, tínhamos lá nossas vantagens. A desvantagem seria a de que não lutaríamos com tanta força, para nos mantermos vivos. Uma das vantagens seria não nos intoxicarmos com tanta maldade nem as praticarmos contra o próximo, aquele ser igualzinho a nós, o qual se põe em nossos caminhos com interesses opostos aos nossos. Uma grande vantagem, sem dúvida.

Mas, não é assim que funciona. Somos medrosos. Da morte, então, fugimos como os ditadores fogem do diálogo, ou como os hipócritas turvam a água em que querem se enlamear e sujar o mundo. Passamos toda uma existência temendo o fim da vida e, em nome desse temor, cometemos, diariamente, muitas atrocidades.

Decerto, há um átimo de tempo preciso em que nos livramos do medo. É no ponto alto da virada, no último instante em que a vida, do ânimus da existência, salteia para o abismo da morte, para a janela do desconhecido ou da simples não-existência, a coisa mais intuitiva que há: o “não-ser”. Será o “não-ser” o futuro de “tudo que é”? Se servir de conforto, pensemos o “não-ser” como “algo que é” e, pensando assim, alcançaremos, sem dúvida, a vida eterna.

Mas, voltemos ao fio da meada. Nesse último marco do tempo, tudo deve ficar muito claro em nosso pensamento: o medo se mostra face a face com o despropósito de tantas escolhas equivocadas, e nossa consciência nos dirá quanto nos magoamos à toa, quantas postagens nas redes sociais adoeceram almas, quanto a nossa cosmovisão de mundo provocou o mal para centenas ou milhares de pessoas, como, enfim, tudo não valeu a pena…

É também neste instante que o arrependimento vem com força total. Sim, acho que o arrependimento é dessas coisas que estão plantadas na humanidade e que, de vez em quando, bota a cabeça para fora. O arrependimento que há de se estabelecer ali não deve ser confortador. Não há de se iludir com ele. Esse último suspiro da consciência não será tábua de salvação de ninguém nem ponte para o futuro. O futuro é um “não-ser” ou um “ser” que não se importa com os haveres que você acumulou, lícita ou ilicitamente no decorrer do tempo, o que, para nossa mentalidade tamanha, é o mesmo que um “não-ser”. Esse arrependimento é a simples consequência de uma nova consciência pré-morte, a de que se viveu por ilusão e de que o tempo acabou-se, vez que o passado encontrou-se com o futuro, e esse encontro de placas tectônicas costuma dar um tilte, como só acontece no encontro da matéria visível com a matéria escura ou o contrário… sei não.

Nesse momento ecúleo, o ápice da vida, não há medo. Há uma entrega, agora espontânea, porque toda paz está na “não-existência”. Se há felicidade, é isso. Mas, quem disse que a existência foi feita para isso? A vida quer é vadiar, e, enquanto houver pulso, que pulse, e que o antever da inexistência apenas nos sirva de alerta: vamos deixar de ser bestas e maldosos?

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB