João Pessoa, 11 de novembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Sempre acreditei na dimensão lúdica da relação ensino-aprendizagem. A sala de aula, para além das amarras das quatro paredes e dos compromissos da disciplina, constitui também uma esfera possível para o prazer. E o prazer é pedagógico, infinitamente pedagógico.
O prazer do poema, por exemplo, que ao mesmo tempo ensina e deleita, conforme o mestre latino, deve integrar a grade curricular desde a fase da educação infantil ao grau superior, passando evidentemente pelos ensinos fundamental e médio. Seja nas aulas de comunicação e expressão, seja nas aulas de literatura, o poema pode exercer um papel decisivo na formação estética da pessoa humana.
Ler o poema em silêncio e tentar, no retângulo solitário desta experiência interior, captar o fluxo mágico do ritmo e da melodia que escorrem pelo corpo das palavras, é aproximar o leitor dos elementos vivos da linguagem, assim como se dá com o contato surpreendente com o tecido intangível das imagens, com o fio semântico que costura a luminosidade das ideias. Ler o poema em silêncio, escutando, no entanto, a voz que fala, quase em surdina, na carne dos versos, parece compor, no plano educativo, aquela vivência moral a partir da qual, segundo William Godwin (foto), dar-se-ia “a geração da felicidade”.
Ler o poema em voz alta também me parece essencial. Mais que na densidade do silêncio, a leitura auditiva nos convoca mais intensamente para o aspecto material e orgânico dos vocábulos. Lembremos que a poesia, antes de ser verbal, foi corpórea, sonora e gestual. Ler expressivamente o poema, ou declamá-lo, é fazer uma viagem de volta ao ritual sagrado de sua origem primeva. Prosódia, entonação, pausas, cadência, enfim, musicalidade, tudo contribui para fazer do poema um artefato dinâmico, um corpo vivo, uma experiência lúdica. Lido, principalmente, com respeito aos apelos naturais de sua composição verbal, instaura o prazer e possibilita uma pedagogia. Uma pedagogia que ultrapassa as fronteiras da simples cognição.
O prazer estético, na sua gratuidade e na sua fermentação, tem no poema um momento raro. Sem se vincular aos limites da percepção intelectiva, desperta a intuição, ativa a sensibilidade, estimula a imaginação e a fantasia, de que decorre provavelmente uma visão mais penetrante da realidade. Por isto o poema, sem privilegiar, contudo, uma finalidade educativa, pois o que conta mesmo, em sua manifestação concreta, é a alquimia de sua poeticidade, termina sendo imprescindível no espaço da sala de aula.
Ler o poema, analisá-lo, interpretá-lo e torná-lo objeto/sujeito de diálogo em qualquer instância do processo educacional, pode favorecer, pela força da emoção estética que dele advém, uma compreensão mais complexa dos fenômenos da linguagem e dos fenômenos da vida.
Costumo dizer que a poesia, que encontra no poema sua habitação natural, dá dignidade as coisas e pode tornar as pessoas melhores, isto é, mais inquietas, mais críticas, mais tolerantes, mais criativas, mais receptivas à diferença e à alteridade. Dito de outra forma: o poema alarga nossa experiência individual e nos conecta mais profundamente com os sentidos que brotam das situações vividas e dos universos contemplados. Ler o poema é universalizar-se. Universalizar-se pela incorporação da emoção estética. Nada mais prazeroso, nada mais pedagógico!
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OPINIÃO - 22/11/2024