João Pessoa, 19 de novembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Encontrei uma família nessas minhas andanças pelo interior cujo passado daria uma produção literária, pois o enredo desencadeado durante toda vida expõe acontecimentos desse mundo pós – moderno. Ouvi fatos e ocorrências no evoluir da construção de sua existência sobre personagens e protagonistas de um drama doméstico. O tempo, o lugar e as ações dessa narrativa vêm carregados de emoções, sentimentos e sofrimentos que impõem sentido em todo o conteúdo. Esse clã vivia em um sítio longe do distrito de uma grande cidade paraibana. Pessoas humildes e em condições de extrema pobreza se sustentavam da agricultura familiar – o casal e quatro filhos. Toda semana, aos sábados, iam à cidade para vender os produtos de sua plantação.
Numa dessas vezes o dono do maior estabelecimento comercial da cidade, Jairo, viu Lilian, filha mais velha do Sr. João, muito bonita, e sentiu-se por ela atraído. Destacado como maior empreendedor da cidade, muito jovem, possuía dois bares e um grande mercado. Procurou informações dos amigos feirantes sobre a filha de Sr. João e soube que morava distante, num sítio. Foi bater lá e ao chegar, em seu cavalo branco, (foto) parecendo um príncipe, sem arrodeio falou ter visto Lilian e desejava namorá-la e casar com ela. Foi uma surpresa para todos, inclusive para a donzela que nunca o tinha visto. Seu pai enxergou naquele casamento um belo futuro, visto que Jairo era um homem bem sucedido e não tinha nada para ser do contra. O consentimento foi dado e dentro de 6 meses o casamento realizou-se. Lilian e Jairo viveram um grande amor e tiveram cinco filhos, dois homens e três mulheres. Jairo fez com que ela estudasse, pois todos em sua casa eram analfabetos. Lilian aprendeu a assinar o nome e a ler razoavelmente. Durante longos 20 vinte anos foram muito felizes.
Construíram casa de bom tamanho, confortável. Vizinho ao casal morava Vinícius, casado, com três filhos, que, sem ninguém saber, tinha olhares de cobiça para Rebeca, a filha do meio de Jairo. Havia um costume de toda noite fecharem o caixa dos bares e do mercado. Foi então que o vizinho entrou sorrateiramente na casa para esperar Rebeca. Ao perceber que todos estavam dormindo, Vinícius pula em cima de Rebeca e tenta estuprá-la: foi quando sua irmã acordou e chamou pelo pai e este veio em seu socorro. Ao adentrar no quarto recebeu três tiros que o deixaram prostrado, morto ao chão. Os vizinhos, ouvindo o barulho, o socorreram mas não havia mais nada a fazer. Prenderam o assassino em flagrante. Na cidade, Jairo era uma pessoa querida, caridosa, prestimosa, que gozava da estima de seus habitantes. Durante o velório um amigo – irmão de Jairo jurou que um dia vingaria sua morte. No seu sepultamento houve uma comoção na cidade, todos queriam prestar-lhe homenagens. Vinicius passou 16 anos preso. Quando voltou a cidade, certo dia recebeu um convite do amigo de Jairo para fazer viagem ao Rio. Não deu outra: no caminho o matou. Foi preso e até hoje permanece no presídio.
Com a morte de seu esposo, Lilian sofreu mais um golpe. De pouca experiência e não sabendo lidar com papéis e documentos, os parentes de seu marido fizeram-na assinar a transferência de bens para os dois cunhados. Restou-lhe, apenas, a casa que morava e ainda hoje habita. Por conta do que sofreu, hoje, ao lado dos filhos já adultos e bem encaminhados, vive das boas lembranças que guarda de seu grande amor. Leva consigo uma depressão cíclica – ora dias melhores, ora dias piores. Perdeu a alegria de viver, como ela falou, “até o dia que Deus me levar”. Caso triste, real e desolador que Lilian não conseguiu superar. É a leitura da vida no quadro pintado sobre sua dura realidade.
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)
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OPINIÃO - 22/11/2024