João Pessoa, 27 de novembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
É isto mesmo que você está lendo, leitor. Vivemos há tempo uma situação doentia que pode se expressar como um oxímoro e que eu denomino de Síndrome da Ruptura-Recomeço.
Sabe-se que o imperador Adriano (117-138), (foto) reformou o Pantheon, fortemente atingido pelos incêndios em Roma. Na reforma, Adriano fez questão de manter a fachada original do monumento, construído por Agripa, no século I a. C. – M. Agrippa Fecit (Marco Agripa fez) –, fachada que ainda se mantém no lugar. No Brasil, o nome de Agripa teria sido apagado para dar lugar a quem deu uma mão de tinta no Pantheon, além de serem incluídos os nomes da corriola acólita do chefete de plantão. Isso ocorre, porque está no nosso DNA recomeçar sempre. Estamos sempre recomeçando, nunca estamos continuando as coisas boas que foram feitas. Manutenção e preservação são palavras que, no Brasil, só existem no dicionário. Nunca tivemos, na realidade, um projeto político, no bom sentido da palavra, projeto de Estado. No máximo, tivemos um projeto político, no mau sentido da palavra, de assalto ao poder, para lá se eternizar, contradizendo todo o discurso maquiado de democracia. A nossa única continuidade é a ruptura para o eterno recomeço.
E, claro, a situação continua. De um tempo para cá, vivemos uma polarização refletida no “nós” x “eles”, “oprimidos” x “opressores”, que derivou para “democratas” x “fascistas”, “livros” x “armas”, “santos” x “demoníacos”, “brancos x pretos”…, como se todos não fôssemos seres humanos, cheios de contradições e de desejos, os quais não se enquadram em qualquer tentativa de racionalidade. A maneira como muitas pessoas estão agindo, cada uma defendo o seu gueto, é como se não houvesse terreno entre um gueto e outro. Fala-se tanto em diversidade e inclusão, mas o que se vê nos dois discursos é exatamente o oposto: exclusão por se querer um pensamento único.
O que torna a situação ainda preocupante, porque revela um espírito doentio, é que as pessoas começaram a assimilar, ainda que por ironia rasteira, o discurso ofensivo a cada um dos seus representantes como uma qualidade que deve ser levantada na defesa contra o outro. Assim, nos tornamos, com uma celeridade impressionante, um país divido entre “malucos” e “cachaceiros”. Não se trata de ironia, a não ser como já frisei, ironia rasteira, escondendo um desejo danoso. A realidade é que, repito, estamos vivendo uma situação para lá de doentia. Como não sou da área, dou de graça esta dica aos psicanalistas, eles poderão dizer melhor do que eu o teor desse lado negro que nos faz defender, muitas vezes, o indefensável, como se fosse um modelo, do Coringa a Maradona.
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