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Na obra-prima do economista paraibano Celso Monteiro Furtado (1920-2004) constatamos que o colono português, que era grande produtor de cana-de-açúcar, na segunda metade do século XVI, dependia de seus escravos para exportar açúcar para o mercado externo. É sabido que o sistema de trabalho escravista existe desde o ciclo do pau-brasil, o primeiro ciclo econômico, com os índios escravos. A captura e o comércio de indígenas escravos foram de extrema importância para a colônia portuguesa no Novo Mundo. Posteriormente, os africanos escravos trazidos para o Brasil colonial, foram os grandes responsáveis pela expansão açucareira até a segunda metade do século XVII.
Em Formação Econômica do Brasil, publicada pela primeira vez em janeiro de 1959, Celso Furtado (foto) (2007, p.21) escreveu que “O presente livro pretende ser tão somente um esboço do processo histórico da formação da economia brasileira”. Furtado dividiu o livro em cinco partes e analisou a transição de uma economia colonial exportadora do século XVI para uma economia de mercado no final dos anos de 50. Entre os séculos XVI e XX, observamos a exploração econômica do açúcar (ouro branco), do ouro (metal precioso dourado), do café (ouro verde) e da borracha (ouro branco da Amazônia) no Brasil. Em séculos distintos, o Brasil foi o maior produtor e exportador de açúcar (séculos XVI e XVII), ouro (séc. XVIII), café (séculos XIX e XX) e borracha (séc. XIX) do mundo.
O ciclo do ouro também utilizou a mão de obra escrava africana, perdurando o regime de escravidão no ciclo do café até o ciclo da borracha. Os escravos negros chegaram no Brasil Colônia para servir a uma economia que já estava consolidada, a açucareira, se tornando base de uma produção mais eficiente e que se desenvolveu rapidamente. O empresário açucareiro teve que produzir em grande escala no início do ciclo da cana-de-açúcar via plantation. Uma vez instalados os engenhos, os escravos que tinham habilidades para trabalhos manuais eram treinados e permaneciam nas casas-grandes e a maioria participava das tarefas nas plantações e nas moendas de cana-de-açúcar.
Tem-se conhecimento que no século XIX no Brasil, a taxa de mortalidade dos escravos se apresentava bem maior que a natalidade pelo fato das condições precárias em que viviam nas senzalas, além do regime alimentar que era bem deficiente. Sobre a entrada de escravos africanos na mais rica colônia de Portugal não se tem dados consistentes, mas pelo porto do Rio de Janeiro adentrou boa parte deles. Proibido o tráfico de escravos, em 1831, no início do reinado de Dom Pedro II, logo, começou o problema da mão de obra.
O setor de subsistência se dispersava do norte ao sul da colônia. Cada indivíduo produzia seu próprio alimento, mas não era apenas da roça que ele vivia, era ligado a grupos em sua maioria de pecuaristas, que eram donos das terras ou produzia seus alimentos, e ganhando bem pouco pelas atividades exercidas na criação de bovinos. Era interessante para o proprietário das terras que vivessem nelas o maior número possível de pessoas, pois no momento desejado teriam os trabalhadores disponíveis, e essa quantidade de moradores era motivo de prestígio. Mas não era apenas na zona rural que existia mão de obra com baixos salários, na urbana também havia uma população que não havia se adaptado às atividades agrícolas (FURTADO, 2007). O problema em obter pessoas qualificadas para o trabalho que se intensificava e entrava em cena os imigrantes europeus. Era o início da transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado.
Como muito bem descrito por Celso Furtado (2007), o governo brasileiro subsidiou o transporte e a instalação dos europeus, com a promessa de que haveria terras para que pudessem prosperar. Mas o que acontecia rotineiramente era o abandono. Não havia mercado para os excedentes de produção, o setor monetário se atrofiava, o sistema de trabalho não evoluía e o colono e sua família viviam em condições precárias. Em 1859, um movimento na Europa proibiu a imigração alemã para o Brasil colonial.
A política de colonização no Brasil não solucionaria o problema de mão de obra destinada às grandes lavouras de café, pois a produção para o mercado interno dependia da expansão do setor cafeeiro. Diante disso, os dirigentes do setor decidiram se envolver diretamente no problema. No ano de 1852, um grande produtor de café, o então senador Vergueiro decidiu transportar com auxílio de um financiamento parcial do governo as famílias alemãs para sua fazenda no estado de São Paulo (FURTADO, 2007).
Nos anos seguintes, mais famílias alemãs e suíças também vieram ao Brasil. Diferentemente do que acontecia nas colônias inglesas na América do Norte, onde os empresários custeavam os gastos com a imigração, o governo brasileiro cobria a maior despesa, que era o deslocamento das famílias até o Porto de Santos. Contraíam assim, ao adentrar o país uma grande dívida, que lhe custavam o suor de vários anos de trabalho, pois uma família se instalando na fazenda de café assinavam um contrato onde não abandonariam a fazenda até que se pagasse integralmente toda dívida.
O aumento do preço do café e a expansão da cultura mudaram a forma de trabalho. Inicialmente, a parceria com o dono da terra, cada um com metade do risco. A renda do colono era sempre incerta e caso a colheita não fosse satisfatória, a perda seria maior, já que não tinha uma situação favorável. Posteriormente, o colono cuidava de um certo número de pés de café e recebia um salário, além de receber dividendos na colheita.
Anos depois, na visão de Furtado (2007) parecia surgir a solução para o problema da imigração europeia, o governo custeava o transporte, os fazendeiros o primeiro ano de instalação nas terras e disponibilizava um pedaço de terra para que o imigrante cultivasse alimento para sua família. Tudo isso sem cobranças futuras e as famílias trabalhavam tranquilas e consequentemente houve uma corrente imigratória intensa para o Brasil para as grandes plantações, mais italianos devido à depressão econômica no seu país.
Um novo fluxo ganhava destaque, dessa vez migratório, de nordestinos para a região Norte e vários produtos eram extraídos na região amazônica como algodão, arroz, borracha e cacau. A borracha, por exemplo, aumentava paulatinamente sua produção e o preço. No fim do século XIX e início do século XX ela se transformaria na matéria-prima mais procurada do mundo, para produzir pneus, tendo em vista que a produção de automóveis será fator dinâmico nas economias industrializadas. Apesar da chegada de inúmeros trabalhadores do Nordeste para o cultivo da borracha e as exportações a números impressionantes, o problema de extração se tornou notório, pois a evolução dos processos não mudou e outros mercados foram sondados a abastecer a economia mundial, tornando o produto brasileiro muito demandado.
Fatores muito divergentes são observados se compararmos o movimento de imigração europeia para a região cafeeira e migração dos nordestinos para a região amazônica. Celso Furtado em sua magnum opus, revelou que nas lavouras de café se instalavam os imigrantes com suas despesas de instalação pagas, havia terras para seu sustento e de sua família e a possibilidade de crescimento com os rendimentos das terras. Os nordestinos chegavam às terras amazônicas endividados desde o transporte até o que comiam, pois os donos das terras vendiam os alimentos de primeira necessidade e os instrumentos de trabalho. Além de tudo isso, ainda existia a solidão, a distância de casa e os perigos que encontravam nas longas caminhadas pela maior floresta tropical do mundo.
Voltando aos escravos, é sabido que o regime escravocrata foi a base do crescimento econômico do Brasil. Furtado (2007) utilizou o termo hecatombe social para associar a situação de abolição para os homens vindos desse sistema. Ele descreveu ainda que uns tinham a percepção de que os negros eram fontes de riqueza e que a abolição traria o empobrecimento dos que faziam a economia girar, para outros seria benéfico, pois os empresários não se preocupariam com processo de compra e venda de escravos.
Em suma, Furtado em 36 capítulos mostrou a produção agrícola, mineral e vegetal voltada para a exportação, a dinâmica da economia brasileira, a situação precária dos trabalhadores, além da abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 no Brasil, o último país da América. Apesar do acontecimento histórico, os métodos de produção não se modificaram e os escravos libertados tinham dificuldades para sobreviver no Nordeste, as terras já estavam quase todas ocupadas e nas zonas urbanas o número de habitantes era grande. Pelos engenhos a procura de emprego era constante e muitos aceitavam salários baixos para se instalarem no local de trabalho. Na visão furtadiana, sem mercado interno forte a industrialização era a saída a curto prazo. O maior economista brasileiro Celso Furtado (2007, p.335) concluiu que “o Brasil por essa época ainda figurará como uma das grandes áreas da terra em que maior é a disparidade entre o grau de desenvolvimento e a constelação de recursos potenciais”. Até hoje, a falta de mão de obra qualificada e, sobretudo, uma enorme concentração da renda, no maior produtor e exportador de açúcar e de café do planeta.
Nota: O presente artigo de economia brasileira foi elaborado a quatro mãos, pelo colunista, Paulo Galvão Júnior e pela estudante do Curso de Graduação em Administração no UNIESP, Joreny Ferreira de Araújo, nas comemorações alusivas ao Centenário de Celso Furtado. O economista Paulo Francisco Monteiro Galvão Júnior é autor e coautor de mais de 225 artigos de economia e já escreveu nove eBooks de economia pela Editora UNIESP. Entre vários prêmios, foi eleito “Professor Destaque 2016.1, 2017.1, 2017.2 e 2018.2” pelos discentes do UNIESP e foi eleito “Economista do Ano 2019” pelo Conselho Regional de Economia da Paraíba (CORECON-PB). A estudante Joreny Ferreira de Araújo foi uma das líderes campeãs das Olimpíadas UNIESP de Economia Brasileira.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024