João Pessoa, 23 de dezembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O desejo não morre, e os velhos estão vivos! Vivos, com todos os seus desejos.
Antes de entrar no assunto, deixe-me dizer-lhe, caríssimo leitor, que o amor é algo tão delicado, tão indisciplinado, tão comovente, tão surpreendente, tão miraculoso, que aparece assim do nada e se entrega, elástico e humilde, fluido e poderoso, ao credo das coisas e à carência das criaturas. Natural, mas também simbólico, corta todas as fronteiras, abolindo as diferenças de classe, de língua, de gênero, de idade, de cor, de poder e de saber, captando, assim, o liame secreto que pode unir um ao outro, isto e aquilo.
Monogâmico, poligâmico, andrógino, hermafrodita, homossexual, bissexual, transsexual, efêmero ou duradouro, livre ou convencional, feliz ou infeliz, amor é amor, e, em sendo amor, busca a comunhão, o compartilhamento e a doação do desejo que o move por dentro e o transforma numa das práticas humanas mais éticas. Precisamente a prática da hospitalidade do outro. Amar, portanto, é dividir minha casa, meu coração, com o outro enquanto possível e renovável objeto de meu desejo. E afirmo, desde já: O desejo não é apenas coisa do corpo; é sobretudo um pedido da alma.
Que o homem ame o homem, que a mulher ame a mulher, que a mulher ame o homem e o homem ame a mulher, sem constrangimentos morais, políticos ou religiosos; sem amarras ideológicas e sem preconceitos, sem cálculos nem utilitarismo, eis o que importa na cerimônia dessa experiência que é direito e condição de todos.
Com o amor, o ser humano se desnatura e pode e deve refinar o império do desejo, canalizando o elemento de sua vontade, portanto de sua liberdade e responsabilidade, para o outro, num movimento que o timbra cada vez mais como ser humano, como ser que ama, ser amorável e amoroso…
Não vejo de outra forma “Estela” (Nathalia Timberg) e “Tereza” (Fernanda Montenegro),(foto) personagens que constituem um casal lésbico na novela “Babilônia”, mesmo considerando os estereótipos e os preconceitos com que a cultura de massa costuma tratar temas como estes. O que vejo ali é uma relação de amor, normal como qualquer relação de amor, e a saudável possibilidade de outro paradigma familiar.
Hipocrisias à parte, esses amores sempre existiram e atendem à pluralidade erótica da natureza humana. Como nos ensina a sabedoria popular: São coisas da vida. Não é, portanto a TV que pauta a vida, mas a vida que pauta a TV. A propósito, a vida pauta tudo!
De uma maneira ou de outra, o que tem incomodado muita gente, mexendo com suas rígidas estruturas morais, não é simplesmente a relação de amor entre duas mulheres, porém o fato de estas duas mulheres serem velhas, como se o amor e o desejo que o move não fosse permitido aos que ultrapassaram a casa dos 60. Mas, amor não tem idade, e insisto: O desejo não morre; o desejo não é apenas coisa do corpo, é também coisa da alma. E, como diria o poeta, amar é nosso destino; “(…) Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa/amar a coisa implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita”.
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TURISMO - 19/12/2024