João Pessoa, 24 de dezembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Cortava o tomate para temperar a carne e o cheiro de goiaba subiu. Era um tomate grande e bem maduro. Perguntei-me em que ponto da evolução tomates e goiabas se separaram. Fui mais além: por que chamar o tomate pequeno de tomate-cereja? Por que não tomate-araçá? Estas questões ficam para ser respondidas em outro momento. Agora, gostaria de falar de clichês e de obrigações.
É interessante como filmes, séries e novelas insistem num padrão que já não cabe na época atual. Nessas produções artísticas, sempre que um homem aparece cozinhando (foto), ele está fazendo charme ou quer impressionar a namorada. Diga-se de passagem, namorada nova, pois com namoros antigos, essa estratégia não funciona. E não funciona, exatamente, por ser estratégia de sedução, nada mais. Está na hora de mudar o clichê, porque é ainda mais impressionante como ele se insinua na vida real, sem que muitas pessoas, mulheres e homens, se deem conta da armadilha.
Antes de continuar, esclareço que não sou feminista e que, sim, tenho muito de machismo dentro de mim, arraigado, por milênios de tradição. Se a biologia favorece, a vida em sociedade me dá os argumentos necessários para não ser machista. A diferença entre mim e o machista empedernido é que eu estou firmemente tentando não sê-lo. Não é porque sou bonzinho ou santo, pois não sou nada disso, nem pretendo ser. Sou posso dizer que estou um pouco “menos pior”, por estar, já há alguns anos, num combate contra o machismo em mim e porque tomei consciência de quanto isso é danoso, para a mulher e para o homem. Não será uma lei que nos fará abandonar nosso machismo. A lei ajuda, mas o que funciona é a consciência do quão ele é danoso para as relações sociais.
Sei que não é fácil, apesar de nas redes sociais parecer ser fácil: basta alguém declarar que não é machista ou levantar alguma bandeira ou criar um hashtag com uma palavra de ordem. Pronto. A questão está resolvida. Mas não é assim. É necessário muito trabalho, trabalho constante de vigilância sobre nós mesmos, nossos atos e nossas palavras. E começa dentro de casa. De nada adianta começar esse trabalho fora de casa se, na privacidade da casa e distantes dos holofotes, continuamos com a prática antiga.
Fiz uma digressão, mas ela era necessária à essência do que eu queria dizer. Quero reivindicar a minha condição de homem que cozinha e que limpa a cozinha. Não é a de homem que ajuda, mas o de homem que partilha os trabalhos domésticos, pois cozinha e serviço de casa não são ocupações de homem ou de mulher. São encargos de quem come e de quem vive em coabitação. Lembremos que “cônjuge” significa, literalmente, dividir o jugo. Qualquer que seja casal, marido e mulher, marido e marido, mulher e mulher, ele tem obrigações que devem ser divididas.
Chega de homem fazendo charminho para mulher como estratégia de sedução. A partilha do trabalho doméstico deve ser um modo inequívoco de demonstrar amor e o que o outro importa para sim. Na ficção ou na vida real.
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TURISMO - 19/12/2024