João Pessoa, 30 de dezembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A revista Cult traz dossiê acerca de Roland Barthes, (foto) por ocasião do centenário de seu nascimento. Nada mais merecido. Barthes é um desses pensadores seminais, principalmente para aqueles que se interessam, em primeira mão, pelas letras e pelas artes, sem descurar, é óbvio, o interesse mais geral pelos caminhos e descaminhos dos atores humanos.
Jovem, estudante de letras, na UFPB, me vi às voltas com o ensaísta francês, através das aulas do professor Ivaldo Bittencourt, recém-chegado de Paris, orgulhoso do “Tré bien”, na viva voz do mestre, após defesa de tese na Sorbonne. Mas o Barthes que o saudoso professor me apresentou, no rigor técnico de sua terminologia estruturalista, no mais das vezes cifrada e esotérica, foi o Barthes semiólogo. Dizem, o primeiro Barthes, aquele cioso de um conhecimento científico do universo textual, em particular da prosa narrativa, investigada no âmbito de suas funções internas, catálises, actantes e outras categorias que impactavam a ignara cabeça do neófito em teoria literária.
Só mais tarde, depuradas as peripécias de um leitor confuso, em meio ao obscurantismo de doutrinas mal assimiladas que aportavam aqui como verdades novas e absolutas, foi que me aproximei, e desta feita, definitivamente, do Barthes que aprendi a amar, apesar das distorções impostas pela semioticice de certos mestres. Mestres que, aparentando um domínio acadêmico sobre os fechados procedimentos metodológicos, faziam falar as teorias, ao mesmo tempo em que silenciavam a voz aberta dos textos.
Falam, assim, de um segundo Barthes, um Barthes traquinas e rebelde perante à geometria dos conceitos e das classificações, extremamente livre no diálogo que estabelece, enquanto leitor, com os interstícios e as entrelinhas do texto, na busca intensa e lúdica do plural de sentidos que circula em suas malhas e que gira, ad infinitum, na esfera distendida da significação, ou melhor, da significância e da escritura.
É o Barthes de “O prazer do texto”, dos “Fragmentos de um discurso amoroso”, de “A câmera clara”, de “Roland Barthes por Roland Barthes” e, sobretudo, de “Aula”. Este, por sua vez, espécie de súmula de seu pensamento estético e de sua concepção mais fecunda acerca da linguagem e do saber.
É este o Barthes que amo e que me surpreende na aventura renovada de cada releitura. Um Barthes que mistura a límpida lógica de uma razão sensível, intelectiva e criativa ao mesmo tempo, com os pedidos secretos do corpo, e que, como um poeta da crítica, desvela clareiras invisíveis e instigantes no arquivo das palavras, conclamando o pulsar das vozes do outro.
Este é o Barthes estético, portanto, ético. O Barthes pedagógico por excelência. O Barthes da maternagem, socrático, cético. Aquele que não concebe a aprendizagem sem prazer, a leitura sem a fruição. Aquele que vai além do ensino e que ultrapassa as fronteiras da pesquisa, para se entregar, inteiro e livre, à aprendizagem do desaprender. Enfim, o que, ao conhecimento prefere a sapiência, ou, como ele mesmo afirma, no final de sua célebre aula no Colégio de França: “(…) nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.
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OPINIÃO - 22/11/2024