João Pessoa, 30 de dezembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Sempre na última semana do mês, é quase que comum a todos o sentimento de retrospectiva do ano que se finda. O que deu certo, o que deu errado e as promessas para o ano seguinte. No entanto, 2020 não foi um ano qualquer, foi um ano histórico, impensado, que veio como um furacão e colocou todos os nossos planejamentos ao vento, de ponta cabeça. O processo nos trouxe adaptações e transformações ao longo do ano. Separou e ao mesmo tempo aproximou pessoas, em novos modelos, sob novas perspectivas.
Em março fomos surpreendidos pelo movimento de reclusão total, fechamento de vários segmentos e ao isolamento dentro das nossas casas. A convivência foi intensa, misturou-se com o medo do amanhã e o hoje ficou mais evidente. Pessoas que atribuíam a procrastinação a falta de tempo, se viram em confronto direto consigo mesmas, pois agora o tinham, e muitos perceberam que não era simplesmente a falta de tempo o motivo por seus infortúnios.
Relacionamentos foram postos a prova e muitos não sobreviveram a vivência intensa sem os subterfúgios do excesso de trabalho ou de outras válvulas de escape. Pais e mães tiveram que se preocupar com a educação e aprendizagem dos filhos, missão muitas vezes repassada automaticamente para as escolas, que agora distantes precisavam de “reforço”.
O home office foi ressignificado. Muitos profissionais não tinham salas reservadas ou espaços específicos em suas casas para esse tipo de atuação. Desse modo muitas reuniões foram feitas ao som de crianças brincando, cachorros latindo, pessoas passando pelo vídeo na frente das câmeras, expondo a intimidade do lar através da mesinha colada ao lado da geladeira ou dos quartos expostos.
Professores se tornaram praticamente blogueiros, se reinventando em novas metodologias remotas e ferramentas de aprendizagem. Em muitos momentos, com as câmeras dos alunos fechadas, sentiam-se sozinhos em salas de aula lotadas.
O modelo remoto e várias adaptações inerentes ao isolamento começaram a nos ser apresentado como algo futurístico e quase permanente com a previsão de ser um novo normal, uma nova era. Confesso que quando passei a ouvir com frequência essa expressão “novo normal” me imaginei no futuro combinando o vestido com a mesma estampa da máscara e indo a restaurantes, sendo separada por um acrílico transparente das minhas companhias de mesa, mecanismo que seria incorporado definitivamente as nossas vidas.
Entendo que o novo normal já está acontecendo como consequência das transformações vividas. Na tecnologia podemos dizer que vivemos o efeito JK, pois evoluímos no mínimo 5 anos em cinco meses, e isso permanecerá mesmo pós-pandemia com novas ferramentas e tecnologias que nos aproximam e incrementam a nossa produtividade.
Torcemos para que tudo o que hoje nos faz falta do “velho normal” seguramente retorne, pois somos seres afetivos e coletivos, voltaremos a nos aglomerar como ursos no frio, como pinguins em bando, mas traremos dentro de nós os resultados dessa grande reflexão e imersão coletiva que está sendo esse período pandêmico.
Muitos foram os desafios até aqui e em todos eles, uma força inestimável ficou mais evidente (ou a falta dela) – a adaptabilidade! Quanto poder tem essa habilidade, também muito discutida no termo resiliência, e como está sendo fundamental seu exercício no cotidiano atual.
Entendendo a pandemia como um momento extremo, as situações nas quais se experimentam as habilidades de sobrevivência antes não tão testadas, passam a dar uma amostra pulsante da nossa força e potencial. Obviamente não devemos colocar no vírus da Covid 19 o papel sagrado ou místico da função de transformar ou modicar o mundo, porém os efeitos das suas consequências são vivencias e individuais (em formas e intensidade distintas), para cada realidade.
Em linhas gerais podemos entender que o que era certo, passou a ser incerto, o que era prioridade, passou a segundo plano e o que era trivial passou a ser desejado. Quem um dia imaginou que sonharia em sair de casa e respirar, sim, simplesmente respirar (algo tão inerente a nossa existência) ao ar livre, como desejo para o próximo ano?
A pandemia nos deu a reflexão da incerteza do amanhã, da desconstrução da estabilidade.
O percurso ainda não acabou e as transformações sempre serão presentes. Afinal, inércia em vida, é viver em morte, e a morte por sua vez não é o contrário da vida, a isso chama-se desencanto.
Enfim, 2020 nos deixa muitas lições e apesar dos pesares, seguiremos em frente, com a dura tarefa de não perdermos o encanto pela vida.
Estamos vivos!
Encerramos o último artigo do ano com uma dica da autora Lu Gastal (Relicário de Afetos):
É totalmente desnecessário guardar amor e afeto pro ano que vem, para o momento certo – que certamente nunca chegará, pois a vida não para; o ano novo poderá ser (ou não ser) diferente do que o atual – e isso dependerá apenas de nós mesmos!
E amanhã, há de ser outro dia….como canta Chico Buarque…
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TURISMO - 19/12/2024