João Pessoa, 09 de janeiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Estou procurando uma palavra que me lembra a mesa da varanda. Talvez, duas. Procuro dentro do poema “As Cismas do Destino” de Augusto dos Anjos, em que ele teme o destino ao olhar para sua sombra pelas calçadas do Recife, e não acho.
Sequer entre os livros da minha pequena biblioteca. Não acho. Sei que havia uma conexão com o sagrado e essa ligação me permitia compreender o mundo, compreender porque me volto ao ouvir a voz tão bela de Billie Holiday.
Lá longe, um eco.
Essa palavra está na minha pele, na garganta. E ela conversa comigo, algo como não se perca de mim. Mas saber onde está quem se conecta a cena que faz o gesto maior na direção da minha fala e tira um cisco, o fio condutor do lugar, como tantos, tantos fios, faz muito sentido.
A vida virou um novelo. Não, a vida é uma lã tecendo, tudo por um fio, inclusive, a palavra.
Perco o poema, perco a paciência, perco ou perdemos a hora, perdemos uma coisa de uma memória que não se perde, mas não sei onde está a palavra sagrada. A palavra se enrosca e brilha na raiz de outra palavra que procuro no petisqueiro da minha mãe. Vou continuar procurando.
Me levantei de um queda besta. Fui preparar um suco para este dia quente de janeiro. Corto o pão em fatias, busco o mel de abelha, presente de Penha e Zé. Me espreguiço e fico alegre ao me balançar na rede.
Volto para o quarto e continuo a ler a biografia de Drummond, “Os Sapatos de Orfeu”. O poeta mineiro é o maior. Já passei a parte da sua Família, em Itabira. Não consigo largar o livro, durmo agarrado com Drummond, pensando em meu pai.
Pergunto ao meu filho se ele sabe onde está a palavra e o que ele me diz, me impressiona. Será que a palavra está na nota de rodapé? Puxa vida! A palavra está na ponta da língua e agora me soa uma única explicação do mundo: gostar de conversar com pessoas inteligentes.
As explicações – sempre elas – busco na sequência das horas, horas sem estrelas. Às vezes a prosa de Clarice Lispector me salva.
Tal palavra vem das nascentes e brotam entre os afagos de pai e mãe, lá do sertão. O mistério da palavra cria rios numa eterna nascente de fontes. Vou junto.
Nuvens magras no céu da cidade e eu quero a chuva que ajuda a gente a se ver, quero me molhar nas biqueiras antigas. Se sei o viés da palavra, deste eterno buscar no gesto da mão que ainda afaga, então sou um homem feliz.
De manhã cedinho entre as árvores do jardim ouço o latido do cão e meus olhos se voltam para o céu e eu digo baixinho: “Senhor, fazei-me instrumento da vossa paz”. Tantos Franciscos na minha vida!
Ah, lembrei: agora em março vai fazer um ano que estou todos os dias com minha Família – de manhã, de tarde e de noite.
P,S. ( A ilustração é de Tarsila do Amaral, 1933, foto de Romulo Fialdini )
Kapetadas
1 – Por favor vacinem primeiro a Fernanda Montenegro.
2 – Estava observando o universo infantil como são gregários e fazem amizade rapidamente. Por que os adultos mudam tanto?
3 – Som na caixa: “Hum! Deus fará/ Absurdos/ Contanto que a vida/Seja assim/Sim/ Um altar/Onde a gente celebre/Tudo o que Ele consentir”, Gilberto Gil.
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TURISMO - 19/12/2024