João Pessoa, 27 de janeiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Pastilha, jujuba, chiclete e cocada”; “Pastilha, jujuba, chiclete e cocada”, recitava repetidamente uma mulher do povo, em frente ao Banco do Brasil, à entrada de cada cliente, na manhã chuvosa…
“Pastilha, jujuba, chiclete e cocada”, perfeito eneassílabo, isto é, um verso de 11 sílabas, na sua anônima, nominal, melódica e substantiva ressonância vocal. É claro: a mulher nem sabia que nos ofertava um verso, em seu apelo à secreta nutriência das guloseimas cotidianas, dadas às sensações gustativas e aromáticas.
As diferenças e semelhanças entre os fonemas “P”, “T”, “B” e “D”, jungidas às brisas de vogais, como “A”, “E”, “I” e “U”, em suas cores de tonalidades diversas, criam um ritmo que ecoa, nos ouvidos dos que têm ouvidos para a música das palavras, a sonoridade harmônica e ancestral que habita a própria origem da linguagem.
Toda palavra articulada tem música, e o povo, com sua sabedoria congênita e oculta, sabe isso, assim como as crianças e os poetas. A linguagem articulada, característica do bicho humana, parece organizar o caos informe e inapreensível do silêncio primordial. E a fala do povo, a fala errada e certa e gostosa do povo, resgata esta verdade virginal. Basta saber ouvir, no tecido espesso dos vocábulos, os silêncios e tons que nos devolvem o sabor inesperado da vida.
Penso, por exemplo, na voz e nos ditos dos camelôs, dos feirantes, dos vendedores de rua, dos consertadores autônomos, dos jornaleiros gritando as notícias, como um estranho e atraente acervo de poções mágicas de intuições e de saberes incapturáveis que se cristalizam, na vívida corrente dos ecos, solecismos e barbarismos populares, como pedras de toque de uma poesia que pertence a todos.
“Pastilha, jujuba, chiclete e cocada”, embora com uma sílaba a mais, e com todas as diferenças e distâncias possíveis, lembrou-me o cadenciado decassílabo de Augusto dos Anjos (foto): “O chocalho fatídico dos ossos”. Talvez, pelo percussão do timbre; talvez, pelo andamento melódico meio agalopado. Não importa. O que importa é que falar, cantar, recitar, ditar, ofertar, suplicar e responder são atos de linguagem. E em sendo atos de linguagem é como que operar um instrumento musical, fazendo, das experiências mais triviais do dia a dia, uma perfeita partitura poética a ser ouvida e declamada. Portanto, “Pastilha, jujuba, chiclete e cocada”.
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OPINIÃO - 22/11/2024