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Narciso continua no espelho…
O personagem Narciso, da mitologia grega, forte e emblemático símbolo da vaidade, se apaixonou por sua própria imagem refletida no lago…
Desde o seu surgimento, os seres humanos experimentam e são levados pela vaidade, empreitam lutas pelo poder, pela arrogância, pela ganância do ter, do ser e da superioridade que esbanja supremacia, impondo a lei do mais forte e do mais admirado, abrindo os trabalhos com Adão e Eva. Depois vieram vários outros personagens como Cleópatra, Calígula, Hitler, nos quais a vaidade estava expressa de forma muito presente na essência dos seus comportamentos.
Como ser cada vez mais admirado, notado, desejado? Cuidado, viu? Esses são elementos básicos e inquisitivos sobre a vaidade, que nada mais é que a preocupação excessiva em suas próprias habilidades ou atratividade para os outros. Podemos encontrar mais de 130 sinônimos correlacionados a vaidade e uma infinidade de “vaidosos” na multidão, se ofuscando em busca de notoriedade, combustível básico do vaidoso.
A vaidade é pontuada pelo autor Hans Christian Andersen, no seu conto “O patinho feio” no qual explicita questões da ética e da estética ao relacionar a beleza como algo ligado à “aristocracia” e ao poder, apontando que os mais belos são mais fortes e bem sucedidos. No filme “O Advogado do Diabo”, na cena final, Al Pacino, protagonizando o diabo em pessoa, solta diz: “A vaidade é, definitivamente, meu pecado predileto!”, e completa, que desse pecado ninguém escapa. Lembrando que na história do cristianismo, a vaidade é o primeiro pecado capital.
Em um exemplo mais moderno desse personagem, o Lúcifer (da série homônima) tem sua vaidade abalada e ameaçada, quando ao pensar que era inatingível e imortal, ao se apaixonar pela detetive Chloe, torna-se mortal e perde todos os seus poderes.
Na natureza podemos dizer que a calda do pavão e a juba do leão, impõem poder e vaidade na leitura figurativa desses animais. A maior vitrine atualmente do exercício da vaidade são as mídias sociais, nelas as pessoas travam batalhas intensas por seguidores e curtidas, esquecendo-se muitas vezes da sua própria identidade, ao ponto de leões, pavões e cisnes exibirem exatamente a mesma conduta, já que perseguem os mesmos objetivos.
Recentemente, um cantor sertanejo foi personagem de uma cena (me perdoem a franqueza, ridícula) na qual abriu as “asas” de um carro importado, para mostrar que havia uma estonteante modelo pendurada e perguntou pra ela: “Quem deu esse carro para você?” A moça em um baixo tom de voz, respondeu: “Você”. E ele insistia, fale mais alto, quem deu esse carro para você? E assim a moça repetia: Você, você…e o cantor no melhor estilo pavão com juba, se exibia aos admiradores do seu corpo moldado por plásticas e da sua vaidade transvestida de “bondade”.
Erin Vogel, PHD no Departamento de Psiquiatria da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que estuda mídias sociais e bem-estar, relatou: “As pessoas apresentam versões seletivamente positivas de si mesmas nas mídias sociais – elas falam sobre o melhor aspecto das suas vidas, fazendo parecer que estão tendo uma vida tão boa, que naturalmente fazem com que outras pessoas se sintam mal em relação a si mesmas”. E assim arde a fogueira das vaidades na atualidade. Uma corrida expositiva de vidas e corpos perfeitos, em busca de uma admiração revertida em curtidas e seguidores.
Li que vaidade e o sal são fundamentais quando estão no ponto certo, porém em excesso estragam completamente. A vaidade moderada, segundo alguns estudiosos, é necessária para moldar e fortalecer a autoestima e dar segurança as ações e realizações do indivíduo, porém quando excessiva, pode causar vários danos. O simples fato de importar-se mais com a aprovação do outro, que de si mesmo e se submeter a ações danosas em busca de admiração já são sinais de que a vaidade está trazendo consequências negativas.
Desse modo, o ser passa a um status secundário no qual o ter é o mais importante (e obviamente mais efêmero ). Em busca da admiração e aprovação externa, as pessoas estão se expondo e se exigindo cada vez mais em ações competitivas e de destaque, causando naturalmente um estresse em busca da perfeição.
A beleza da alma perdeu espaço para a beleza do poder e do ter e o belo foi resignificado.
A forma se sobrepôs ao conteúdo e vivemos em uma época de vazios e exposições solitárias em busca de aprovações coletivas. Diante disso, ousarei parafrasear o poeta Vinícius de Moraes com essa inquietação: os feios de alma que me perdoem, mas beleza interior é fundamental…
Que atire a primeira pedra quem nunca cometeu, sequer em um momento, o pecado da vaidade.
Olhando para você (não se preocupe, ninguém saberá), aposto que já…
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TURISMO - 19/12/2024