João Pessoa, 03 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O direito de sonhar é defendido pelo epistemólogo francês, Gaston Bachelard, dentro da atmosfera dos devaneios e da poética do espaço por onde trafegam seus iluminados pensamentos. Sonhar o possível porque só o possível é matéria de sonho.
Ora, Carlos Emílio, contista cearense, alimenta dois sonhos inimagináveis, segundo testemunho de seu conterrâneo, o escritor Nilto Maciel, no saboroso livrinho Como me tornei imortal. O primeiro seria a volta dos suplementos literários em todos os grandes jornais brasileiros; o segundo, a contratação de escritores e poetas para cargos públicos.
Vê-se, pelo contorno de seus sonhos, que o contista considera a literatura um bem essencial, assim como são essenciais a luz do sol, o ar puro, a água potável, a chuva, o vento, a noite, o luar, o convívio com os amigos, os momentos de solidão, a liberdade de ir e vir, o amor, a arte, as crianças, enfim, tudo em que flui a correnteza da vida e que nos torna mais simples e melhores.
Racionalismos e pragmatismos à parte, não sei se seriam tão improváveis sonhos assim, como os de Carlos Emílio. Ingênuos, imorais e ilícitos, como dá a entender Nilto Maciel, mas nem tanto!
Um dos meus sonhos, por exemplo, é reunir, um dia, alguns poetas nordestinos num hotel qualquer, num evento cujo objetivo central fosse apenas conversar, ou melhor, prosear uns com os outros, sobre os enigmas da palavra poética. Tudo pago, é claro, inclusive o cachê, por alguma instituição que se preze e que tenha, na poesia, uma esperança qualquer.
Não haveria programa estabelecido nem metas a cumprir. A única responsabilidade dos poetas seria conversar muito, comer muito, beber muito, dizer e dizer seus poemas, sem nenhuma finalidade prática, sem nenhum resultado concreto, a não ser a indispensável fruição do tempo que o ócio criativo pode proporcionar.
Do Maranhão, viriam Nauro Machado e José Chagas: aquele, para falar de sua angústia metafísica; este, para nos ensinar a cultivar o “arroz do sonho” e as tabuadas da memória. Do Piauí, H. Dobal traria os arreios telúricos de seu lirismo despojado, e Francisco Carvalho, lá do Ceará, falaria de seus centauros míticos, de suas verdes léguas e de suas éguas árabes e oníricas. Seria bom ouvir José Antonio Assunção, aqui da Paraíba, entre um vinho e outro, dizer seus poemas amorosos para Dione Barreto, de Pernambuco, e do mesmo Pernambuco, aprender as orações do poema, com Alberto da Cunha Melo, e os júbilos das nuvens ciganas, com Ângelo Monteiro. Sérgio de Castro Pinto diria de seus zoos imaginários e dos dribles mágicos de seus Garrinchas, assim como Jomar Morais Souto reiventaria seu eterno itinerário lírico. Do Rio Grande do Norte, Zila Mamede (foto) discorreria acerca do mar e seus náufragos encantados, e Marize Castro, dos tremores íntimos que cada verso carrega em sua bagagem de espantos. Souza Neto viria de Sergipe e se deixaria acompanhar, já em Alagoas, por Sidney Wanderley e suas imagens amorosas, como também por Fernando Fiúza, com suas mônadas poéticas, dolorosas e sarcásticas. Ruy Espinheira Filho representaria a Bahia de Todos os Santos, com as imagens aquáticas de seus poemas emblemáticos e de seus sonetos memoráveis.
Fica a ideia. Loucura, nem tanto. Quem bancaria esse sonho?
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OPINIÃO - 22/11/2024