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Vanda, viúva. Teve seis filhos, cinco homens e uma mulher. Mora até hoje no interior da Paraíba, onde nasceu e criou toda família. Isto há trinta anos. Sua única filha, moça muito bonita e atraente, casou com Benedito, agricultor, ignorante e rude, com quem teve quatro filhos. Terezinha, apesar de ser humilde, sempre quis crescer e ter outra vida para ela e seus filhos, do que aquela que levava até então. Encontrava resistência do esposo nas iniciativas que tomava nesse sentido. Ele, mantinha o espírito machista, aguerrido, intransigente, ciumento e controlava os seus passos. Sempre dizia; “você não tem a feira toda semana? Está lhe faltando alguma coisa?” Na sua visão aquilo era o suficiente para satisfazer a mulher que almejava além do que era concedido e ambicionava outras realizações no futuro. Na situação em que vivia, ela deslumbrava que para se desenvolver e alcançar o desiderato esperado teria que tomar uma atitude de se separar do marido. Propôs a ele a separação mas ele relutou o quanto pôde. Mas um dia aconteceu, apoiada pelos familiares. Benedito nunca se conformou e a importunava ameaçando e querendo voltar. Não admitia que ela se reconstituísse e tivesse outro homem, o que nem ela cogitava, pois desejava estudar e evoluir como mulher. Um dia ele chegou em sua casa com pretexto de ver os filhos e a matou, à facadas, na frente deles. Benedito foi preso e depois de certo tempo foi a júri popular, constituído de sete jurados, cinco homens e duas mulheres e não deu outra, foi absolvido. O advogado de defesa argumentou que tudo fizera por amor, pensando na convivência com a família. A avó ficou com os netos até o dia em que o genro foi solto. A justiça entendeu que as crianças deveriam ficar com ele. Vanda ficou desolada, pois, além de perder a filha, também ficou sem os netos que preenchiam sua viuvez.
A situação, na sociedade contemporânea, seria outra. Com a Lei Maria da Penha (foto) não haveria esse desfecho e talvez a morte de Terezinha nem tivesse ocorrido. Constata-se que em outros tempos a evolução da mulher e sua participação na sociedade foi procrastinada e sofrida. Tudo que se tem hoje como direito foi decorrente de lutas conquistadas, a duras penas, por líderes feministas que batalharam pela emancipação da mulher, como Elvira Komel e Nathércia da Cunha Silveira, entre outras que a história registra. Após a revolução de 1930, Getúlio Vargas, ao assumir a chefia do Governo Provisório, pensou na extensão do direito de voto às mulheres. Pelo decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 foi instituída no Brasil a Justiça Eleitoral, trazendo o voto secreto e o voto feminino. Entrava, assim, a mulher no mundo político brasileiro.
Hoje, Vanda ainda vive, com os seus 88 anos. Conversando com ela, disse-me: “que os netos frequentam a sua casa e que o genro rogou o seu perdão”. Foi difícil e duro. Custou derramamento de lágrimas, mas superou a dor da perda da sua filha. Perdoou-o.
O sentimento do perdão é o mais nobre do ser humano. É difícil adotá-lo. Por que? É aquele que para praticá-lo o homem tem que superar a si mesmo. Como superar? Ele existe em razão de um ressentimento, de uma magoa, rancor ou raiva implantados no ser. O perdão é exercido em resposta a reações suscitadas por atos, gestos de agravo, de dor, causadas por um fato, decepção, ofensas, indelicadezas, agressões, o que provoca a sensação de tristeza e aflição. Para superar o que vai no íntimo de quem as recebe, há de se dilacerar e frear seus instintos nas profundezas do âmago da alma. Felizes os que podem vivenciar o perdão, como Vanda, mas nem todos o superam.
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)
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OPINIÃO - 22/11/2024