João Pessoa, 10 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Há frases ou versos que nos tocam a sensibilidade, quer pela substância intrínseca do pensamento entranhado nas palavras, quer pelo ritmo da linguagem, pela primazia das molduras imagéticas e pela beleza substantiva que se instaura na relação entre os vocábulos. Não importa, aqui, o fio ideológico, a matriz doutrinária, o sentido da concepção ou mesmo as particularidades das mais insólitas disciplinas.
Tudo pode ser dito de maneira persuasiva, impactante, estética. E aí, não custa repetir, a forma ou o conteúdo como que presidem os predicados da beleza, determinados pela integridade, simetria e claridade das coisas, conforme lição do mestre Tomás de Aquino, retomada por James Joyce em suas reflexões acerca da expressão literária.
De um lado, diz Jorge de Lima: “Sinto-me salivado pelo Verbo”; de outro, assinala G. K. Chesterton: “O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo, exceto a razão”. Ainda Jorge de Lima: “Vive meu peito que antes era nada/o tempo com seu pêndulo de oceano”. Ainda Chesterton: “A poesia mantém a sanidade porque flutua facilmente num mar infinito; a razão procura atravessar o mar infinito, e assim torna-lo finito”. E mais: “O poeta apenas pede para pôr a cabeça nos céus. O lógico é que procura pôr os céus dentro de sua cabeça”.
É inegável: tanto existe de beleza na quadratura dos versos, quanto de verdade na linha afiada do pensamento! Cito Jorge de Lima e G. K. Chesterton apenas por acaso e ao sabor da urgência do momento em que se tecem as malhas da crônica domingueira, movido pelo sentimento lúdico de manchar o branco da página ou a luz transparente da tela com os delicados desenhos das letras e dos sinais gráficos, tentando também vivificar o idioma adormecido.
Poderia rastrear as cordilheiras verbais do poeta Dante, cadenciado pela música precisa dos seus tercetos incomparáveis, ou me deter na lógica paradoxal dos aforismos de Emil Cioran, para fundir, na mesma unidade expressiva, a perfeição do estilo e a aristocracia das palavras. Poderia me socorrer, noutra clave, das ironias de Vladimir Nabokov (foto) desconstruindo certas mistificações em torno de Dostoiévski, nas suas “Lições de literatura russa”, ou me apropriar dos versos de Jorge Luís Borges, refletindo o enigma dos espelhos e a beleza geométrica dos labirintos, das moedas e dos tigres.
De Augusto dos Anjos, não contaria as imagens noturnas campeando as sombrias avenidas dos canaviais e a silenciosa fenomenologia dos plenilúnios, assim como de Euclides da Cunha poderia enumerar, numa sequência estranha e infinita, os postulados científicos vencidos pela magia dos elementos poéticos, numa visão de mundo e da história ao mesmo tempo racional e visionária.
Ao leitor que se preza, não vale a quantidade dos livros lidos e relidos. Vale, sim, um verso, uma frase, isto é, o sólido instante em que se cristaliza, no corpo da linguagem, a beleza das palavras e a verdade do pensamento.
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OPINIÃO - 22/11/2024