João Pessoa, 17 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Martinho era uma figura singular: muito querido e admirado, recebeu o reconhecimento e as homenagens de seus pares ainda em vida, e agora, nessa hora do seu triste passamento.
Nossa amizade remonta ao meu pranteado pai, a quem ele se referia com muito apreço e carinho, porquanto o pediatra cuidara dele e de seus irmãos. Conheci-o, no entanto, nos idos de 1964, nos bancos escolares do Liceu Paraibano, numa época em que o vetusto educandário era referência no ensino e, por isso, além de ser gratuito, era disputadíssimo; com excepcional qualidade de ensino que oferecia – eu diria – era imbatível , mesmo pelos mais afamados colégios particulares ou pertencentes a instituições religiosas.
A par de ser dotado de estrutura arquitetônica modelar, estilo Art Déco, dispunha de salas de aula confortáveis, ampla área de lazer e parque esportivo, biblioteca e laboratório de taxidermia e para as aulas práticas de microscopia. Lá pontificavam professores da melhor estirpe, de fazer inveja às instituições de ensino superior, por isso, mais tarde, muitos deles migrariam inevitavelmente para a Universidade Federal da Paraíba.
Lembro-me com clareza do rigor e da disciplina com que a professora Daura Santiago Rangel, respeitadíssima, diga-se de passagem, conduzia os destinos do educandário. Embora não tenham sido nossas professoras era notória a dedicação de Carmem Coêlho de Miranda Freire e Alaíde Chianca , fundadoras do curso noturno do Liceu. Ainda ecoam na memória, as aulas de José Maria e João Viana, de Português, de Ivan Guerra e Dorivaldo, de Química, de Francisco das Chagas Lopes, de Física, de Dulce Ramalho, de Desenho, de Orlando de Matemática, de Moreira, de História, de Antônio Pedro das Neves, de Biologia, do teatrólogo Altimar Pimentel, de Educação Artística, e de tantos outros que enriqueciam o corpo docente do colégio.
Foi nesse ambiente , não apenas de aprendizagem, mas de camaradagem e coleguismo, que conheci Martinho, e passei a admirá-lo.Ainda muito jovem, já estreava no jornalismo e despontava como o “mago das letras”; suas redações eram insuperáveis, a ponto de angariar rasgados elogios dos lentes do vernáculo.
Seguimos rumos diferentes. Enveredei pela Medicina, e fiz longa pós-graduação em outras plagas. Ao retornar, reencontrei o velho amigo, pai de família, que passou a me confiar, com muita satisfação e honra para mim, os cuidados de seus filhos, e depois, dos netos. E que pai e avô “coruja”! Além da preocupação com a saúde dos seus, não se furtava a enviar-me fotos e a relatar travessuras e conquistas dos filhos e netos, numa clara demonstração do seu apego , dedicação e valorização à família.
Mantínhamos trocas diuturnas de mensagens através das mídias sociais, às quais ele acabou se rendendo, não apenas acerca de assuntos médicos, mas também literários. Acompanhei de perto seu calvário pois, apesar de não ser minha área de atuação, ao retornar das consultas especializadas , ele sempre me colocava a par do seu tratamento, enviava-me cópia dos exames e pedia minha opinião, prova inconteste de confiança neste médico de crianças, a quem carinhosamente sempre se referia como “Joãozinho “.
Assim, e numa alusão a Taylor Caldwell ,entende-se que todo esculápio deve ser o “médico de homens e de almas”. Aprendi com meu pai e os antigos e saudosos mestres que a empatia é um sentimento indissociável do médico, além da caridade e da compaixão, é claro; e quando não for possível a cura, o alívio da dor e do sofrimento são pressupostos inalienáveis do nosso nobre mister. É preciso tratar o doente, e não a doença, no contexto de suas necessidades biopsicossociais.
Recebia os resultados dos exames com tristeza, e lhe retornava, sempre deixando a chama da esperança, ainda que tênue, acesa. Penso que isso o confortava: sempre demonstrava otimismo, movido talvez pelo mecanismo de defesa inerente a muitos enfermos.
Seu passamento não constituiu surpresa, embora acreditasse que estaria entre nós por mais algum tempo, face aos grandes avanços no tratamento das neoplasias malignas. Lutou bravamente e se mostrou sempre muito confiante na medicina e nos médicos. Sua perda nos deixou órfãos – uma lacuna impreenchível nos corações de todos nós que o admirávamos e privávamos de sua amizade e convívio. Que Deus o acolha na Paz Celestial!
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TURISMO - 19/12/2024